domingo, março 15, 2009

«S. Vicente e Madrasta Natureza» - Dr. Alberto Vieira

Os factos ocorridos com as últimas chuvadas do presente ano em S. Vicente não são novidade para as suas populações e tão pouco para todo o arquipélago. A História regista que a ilha desde o século XIX esteve sempre sujeita aos efeitos catastróficos destas aluviões e que estas são resultado da ocupação descuidada do espaço.
O processo de ocupação da ilha a partir do século XV foi uma permanente batalha contra este perigo eminente, uma vez que se inicia sempre a partir do leito das ribeiras. Tudo isto, certamente pela facilidade de penetração mas também pelo aproveitamento dos mais ricos solos de aluvião. As principais povoações da ilha partem sempre do leito de uma ribeira ou anicham-se nas suas margens. Deste modo o convívio com o perigo das cheias é uma constante.

AS ALUVIÕES. A História do arquipélago registam que as aluviões foram uma constante nos séculos XIX e XX(1803, 1815, 1842, 1848, 1856,1876, 1895, 1901, 1920, 1921, 1926, 1929, 1931, 19391945, 1956, 1970, 1972, 1977, 1979, 1984, 1989, 1990, 1991, 1993, 1997, 1998). Destes ficaram célebres os de 1803 e 1842 pela devastação que causaram em toda a ilha.
A incidência maior destas aluviões fez-se sempre sentir na vertente sul mercê do desaparecimento do arvoredo que cobria toda a vertente e que foi substituído por terrenos de cultivo, casas de habitação ou para ser usado como combustível nos engenhos açucareiros, no decurso dos séculos XV e XVI. O Norte da ilha, porque esteve menos sujeito a esta pressão, os efeitos foram sempre muito menores. Mesmo assim são assinaláveis os estragos em alguns destes momentos. A aluvião de 1856 incidiu com mais força nas freguesias rurais, sendo evidentes os estragos causados em S. Vicente.. Esta situação repete-se em 1895 e 1920.

S:VICENTE. Em S. Vicente a orografia condicionou de modo evidente a vida das populações que cá se fixaram a partir do século XV. O isolamento foi uma constante e tanto mais agravado pelas intempéries que em terra e no mar condicionavam a comunicação com as demais localidades.
A ilha foi assolada ao longo da história por inúmeros aluviões que também fizeram estragos no Norte. Aqui, mercê das encostas íngremes desbravadas pela ocupação humana, as grandes bátegas de água e chuvas ininterruptas foram sempre sinónimo de tragédia.
Até à década de setenta do século XIX a informação sobre esta realidade é escassa porque se perdeu toda a documentação municipal no turbilhão das revoltas populares e as referências que dispomos surge em conjunto com o resto da ilha. Todavia, a partir desta data a documental municipal, nomeadamente os livros de vereação, registam com frequência as diversas intempéries que assolaram o concelho, por força das reclamações dos moradores quanto aos prejuízos em pessoas e haveres, como na rede viária a cargo do município.
Em 1876 Joaquim Fernandes morador no Lanço reclama perante a vereação os prejuízos causados no seu sítio pelas chuvadas de 31 de Outubro. Os danos não se ficaram apenas pelos caminhos do Lanço pois atingiram todo o concelho, deixando-os quase intransitáveis, pelo que a Vereação foi forçada a apelar ao Governador Civil no sentido de serem dados meios financeiros para a imediata reparação.
A realidade repete-se ao longo do tempo e quase todos os anos é necessário, após o inverno, reparar os caminhos, refazer as pontes e levantar as quebradas. Foi assim em 1888,
como em 1896, onde o presidente do município refere que o "alluvião de desgraça que ha um anno a esta parte se teem succedido em todo o concelho... onde a ribeira na sua impetuosa corrente levou para o mar, pontes, caminhos...". Todavia, graças à pronta colaboração de todos foi rápido o restabelecimento da circulação dos caminhos, ficando apenas a aguardar solução aquele que sobe na margem da ribeira junto á vila.
As inundações que ocorreram a 2 e 3 de Outubro de 1895 provocaram grandes estragos nas freguesias de S. Vicente, Boaventura e Ponta Delgada, que ficaram incomunicáveis. Na Ribeira Grande em S. Vicente ficaram 25 famílias sem casa, enquanto nos Enxurros em Ponta Delgada uma quebrada provocou elevados estragos. A ponta de vila entupiu e fez transbordar a água que alagou a vila. A sorte foi que a armação de pedra não resistiu à força da água que a fez desabar. De tudo isto deixou o Feiticeiro do norte um retrato em "as inundações de 1895":

Vejo os caminhos do norte
que estão todos arrombados
não se pode transitar
nada, de lado p’ra lado
Passa-se em rochas medonhas
quais veredinhas de gado,
até parece vergonha
do nosso excelente estado.

Já em pleno século XX as chuvas continuaram a atormentar as gentes do norte. Logo em 1902 as chuvas fizeram elevados estragos, tornando intransitável a estrada real ao Saramago. Em 16 de Novembro de 1909 os estragos causados nos caminhos e casas, nomeadamente no Laranjal e no Lanço, são elevados, o que levou a Vereação a um orçamento suplementar para cobrir a nova despesa.
Na década de vinte esta realidade aumenta de intensidade. Em Fevereiro de 1921 os estragos foram tantos em todo o concelho que passado mais de um ano ainda se aguardava a sua reparação. Em 1927 o mês de Dezembro voltou a ser invernoso, causando elevados danos, de modo especial na principal estrada que liga pela Encumeada ao Funchal. Passados dois anos abateu-se uma grande calamidade sobre a freguesia. A 6 de Março de 1929 pelas 10 h da manhã uma quebrada no alto da Vargem vitimou 29 famílias e causou danos, avaliados em mais de dois mil contos. Os dados assim o provam: 32 mortos, perda de 100 palheiros e igual número de cabeças de gado. O tema correu em toda a ilha e foi manchete, por algum tempo nos jornais locais, obrigando o Governador Civil a deslocar-se ao concelho a 8 de Março.
Não parou aqui a fúria do tempo pois que em 28 de Outubro de 1934 e Janeiro de 1952 novas trombas de água se abateram sobre o concelho provocaram de novo elevados prejuízos materiais e a destruição de inúmeras estradas e pontes, que só foi possível recuperar com apoio de subsídios da Junta Geral e do Governo Central.

A LOCALIZAÇÃO DA VILA. Não se sabe ao certo onde começou edificação da primeira Vila, resultante da determinação do alvará de 1744 que criou o concelho. É muito provável que ela tenha sido traçada na margem esquerda da Ribeira, local abrigado do olhar cobiçoso vindo do mar, onde desde o século XV se assentara a nova igreja. O sítio nunca ofereceu grande segurança aos moradores, pela braveza da vizinha ribeira na época invernal. Já em 1684 o vigário referia a situação de temor, que terá afugentado os moradores que passaram a residir na Vargem, uma vez que as cheias de 1682 haviam posto em perigo a igreja. Mesmo assim os vicentinos não abdicaram deste recanto e enquanto tardava a construção o muro de protecção os moradores da vila viviam em permanente alerta na época invernal.
O temor das cheias da ribeira, que terá aumentado com as aluviões do princípio do século XIX, levou os moradores da vila a procurar sitio seguro. Em 1817 o retrato da Vila marcadamente desolador: as casas estavam arruinadas sem moradores que se haviam refugiado, de novo, na Vargem, por isso, Paulo Dias de Almeida atreve-se a sugerir que deve ser este lugar a sede da freguesia e que a vila deveria ser transferida para Ponta Delgada. Mas a solução imediata estava na construção de uma muralha a oeste da ribeira de modo a evitar que galgasse as margens e atingisse a vila. A reclamação de muralha é antiga e repete-se em pleno final do século XIX com as aluviões.
Perante a ineficácia das autoridades, os moradores insistem na reclamação de medidas, em momentos de aflição. A 2 e 3 de Outubro de 1895 a vila ficou inundada sendo os prejuízos elevados. A Câmara do Funchal ocorreu em 200$000 réis. Já em 1901 os moradores reclamam de novo a construção da muralha que desvie o curso da ribeira pois que "em todos os invernos é ameaçada, e por vezes tem arrastado para o mar algumas propriedades particulares, e tem posto em risco a igreja parochial, os edifícios das repartições públicas e as casas que formam a povoação..."
O município decidiu-se pela elaboração de um novo plano urbanístico para a vila que contemplava a sua mudança para local mais apropriado. O plano foi divulgado no Diário de Notícias do Funchal a 21 de Março de 1929 e constava de um edifício cujo custo estava avaliado em 330 contos e três arruamentos. Em 1930 dava-se conta do apertado recinto da vila não permitia a sua expansão de modo a torná-la moderna, com a construção dos paços do concelho. A vila nova ficaria implantada no Poiso, no actual espaço de implantação da escola, sendo a planta feita por António Agostinho da Câmara.
Ao empenho dos munícipes opõem-se a falta de meios. O pouco ou nenhum apoio das autoridades distritais e do governo central fez com que os planos de uma nova vila e paços do concelho não passassem de uma esperança permanentemente adiada. A grande necessidade era a construção de um edifício para os paços do concelho, onde fosse possível reunir todas as repartições dispersas em edifícios impróprios e distantes da vila. Para isso buscava-se apoio do Governo Central, o que nunca deve ter sido atendido uma vez que em 1959 se procedeu a um plano de urbanização da Vila a cargo do arquitecto Nunes Fernandes e a vila persistiu até hoje no primitivo local.

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