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segunda-feira, julho 05, 2010

[Escriptos dispersos] - Antero de Quental; Rodrigo Velloso (1896)

Quental, Antero de; Velloso, Rodrigo - [Escriptos dispersos], Barcellos : Typographia Aurora do Cavado, 1896.
  • Sobre o «Tasso» de Candido de Figueiredo
  • A indeferença em politica
  • Questão romana
  • Influencia da mulher na civilisação
  • Soldados da revolução
  • Alexandre Herculano
  • Liga Patriotica do Norte
  • Os criticos do Fausto (Carta ao Ex.mo. Sr. J. Gomes Monteiro)
  • Julio Michelet
  • Introducção a uma poesia de D. Henriqueta Elisa
  • Ultimatum de 11 de Janeiro
  • Socialismo e philantropia
  • Manifesto dos estudantes de Coimbra. A opinião ilustrada do paiz.1862-1863

quinta-feira, novembro 26, 2009

Antero de Quental e Alberto Sampaio. A amizade na diferença - Ana Maria Almeida Martins

Quando Luís de Magalhães teve a ideia de consagrar a Antero de Quental um In Memoriam, um dos primeiros nomes que lhe ocorreu para colaborar nesse livro foi o de Alberto Sampaio, porque conhecia bem, e fora, aliás, testemunha pessoal, da grande amizade que sempre os unira.
A contribuição de Alberto Sampaio, o ensaio "Recordações", esteve para ser, inicialmente, uma carta dirigida ao próprio Luís de Magalhães, ideia que veio a abandonar, não sem antes confessar que sentia grandes dificuldades na elaboração desse escrito, o que não era de estranhar dado o estado de consternação em que se encontrava depois de ter tido conhecimento do terrível desenlace do dia 11 de Setembro de 1891 em Ponta Delgada.
A uma pergunta de Luís de Magalhães acerca da correspondência de Antero que teria guardado, respondeu-lhe: "possuo grande quantidade, algumas muito notáveis. Todavia, apesar da sua importância, estou certo que se não podem publicar, pelo menos nesta geração, visto o tom de intimidade. Quando tivermos de nos encontrar eu lhas mostrarei, e penso que será da minha opinião".
Veio, porém, a inserir alguns excertos, precisamente no artigo para o In Memoriam, suprimindo-lhe certas passagens. "Nenhuma supressão altera porém o sentido. Entendi que devia fazê-lo atendendo a que não foram escritas para o público".
Quis o destino, nestas coisas fundamentais e decisivo, que estas cartas (ou parte delas) viessem a ser conhecidas só cerca de um século mais tarde. Elas revestem-se de uma característica que as torna únicas no conjunto epistolográfico anteriano. Além deste, não existe por enquanto mais nenhum, ao mesmo destinatário que, tendo começado ainda em Coimbra, durante a época universitária, se prolongue por quase trinta anos, até cerca de um mês antes da morte.
São, e Sampaio bem o reconheceu, cartas verdadeira-mente pessoais e íntimas. Aqui e ali, surgem factos em absoluto ignorados dos seus biógrafos, nomeadamente de José Bruno Carreiro, que não se poupou a esforços para as conseguir, porque pressentia a sua importância.
A primeira e mais surpreendente revelação é a intenção de assentar praça como voluntário nos Zuavos Pontifícios, do Vaticano, no Verão de 1868: "Que humorismo profundo em todos os contrastes de uma tal vida. Ateus a manterem guarda ao Vaticano! Socialistas a defenderem o poder temporal do Papa!"
É sabido que nunca Alberto Sampaio se assumiu como socialista e as propostas do amigo para que o acompanhasse a Roma ("o mundo originalíssimo de aventureiros" que corria a defender the old gentleman, como os ingleses chamavam ao Papa) não só não o entusiasmou, como o terá deixado perplexo. Tão perplexo, ante essa projectada aventura para que fora convidado, que se apressou a escrever para São Miguel, ao seu antigo condiscípulo de Coimbra, Francisco Machado de Faria e Maia, perguntando-lhe se Antero não teria enlouquecido. Conhece-se a resposta deste: "Tenho a participarte que o Antero não endoideceu. Vive aqui sofrendo do estômago, um
pouco incomodado do sistema nervoso, mas a cabeça regula bem, e tão bem como era de desejar que regulasse a dos que o fazem passar por doido". Resta saber se esse boato chegou a correr, ou se o próprio Alberto Sampaio o terá inventado para, mais afoitamente, poder indagar do estado mental do seu amigo.
Realmente, Antero e Alberto Sampaio eram muito diferentes um do outro. Em Coimbra, é certo, vamos encontrá-los juntos em diversas ocasiões: ambos presos por desordens de caloiros; presentes na pequena revolta vitoriosa da Sala dos Capelos, com assinatura conjunta no Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à Opinião Ilustrada do País, e no êxodo para o Porto durante a Rolinada.
Mas, uma vez terminado o curso, com o regresso a Guimarães, Alberto Sampaio "assentou". Por isso os projectos romanos do seu amigo (quando as verduras da mocidade já deveriam ter terminado) lhe pareceram tão absurdos que logo os atribuiu a algum acesso de loucura e nunca, mas nunca, pensou em os divulgar. Assim como não deixou que viesse a público o projecto espanhol, do qual se conhece por enquanto tão pouco. Diz Antero numa carta de finais de 1868: "Há quatro ou cinco dias que estão abertas negociações com democratas de Madrid (Partido Castellar) para me receberem como escritor português no jornal democrático e ibérico que vão fundar... Para dar peso à proposta publicar-se-á brevemente um panfleto meu, com o título Portugal Perante a Revolução de Espanha no sentido das ideias daquela gente, que são também as minhas, iberismo com o federalismo de toda a península... Acho que resolvida esta questão vamos muito melhor, o que não quer dizer que não vamos ainda com ela mal resolvida. Vamos sempre, porque eu lá coloco-me no jornalismo democrático facilmente".
"Vamos sempre" - onde? Eis o que Alberto Sampaio nunca quis esclarecer, talvez porque nunca tivesse tido intenção de ir.
A consciência do proprietário, do terratenente, foi decisiva para Sampaio. Desde cedo a lavoura o interessou de tal modo que a ela se veio a dedicar em detrimento do seu curso de Direito.
Em Antero, pelo contrário, essa consciência, desperta numa das suas viagens à ilha natal, inspira-lhe também sentimentos de proprietário, é certo, mas que nada tinham a ver com organizações agrícolas. Explica-a numa carta a Germano Meireles, de Abril de 1866: "Mas eu nesta viagem experimentei uma coisa nova para mim: a consciência do proprietário. Pondo os pés em chão meu, alegrei-me por nós, porque vi nesses palmos de terra que me hão-de pertencer, não uma riqueza, mas um refúgio para nós - nesses campos um deserto para onde conduzirmos os nossos deuses exilados"
Que cedo a agricultura se transformou na principal actividade de Alberto Sampaio, não o desconhecia Antero. Assim o demonstra ao escrever conjuntamente aos seus amigos da cidade berço, estranhando-lhes a falta de notícias: "O vosso silêncio fez-me pensar que não estareis por essas regiões ou então que vos ocupais em resolver praticamente os mais altos problemas da agricultura e economia rural". E ao longo das cartas abundam as alusões a assuntos agrícolas: quando se regozija com a pujança dos bogangos (cujas sementes certamente providenciara) " que como bons ilhéus, não querem fazer má figura diante das hortaliças continentais", quando pede informes sobre a sarradela, para um seu amigo agrónomo francês, ou ainda, já em Vila do Conde, na altura de aformosear o seu "quintalório" de onde banira couves e nabos e se propõe convertê-lo numa espécie de jardim pomar: "Já cá encontrei uma latada, duas laranjeiras e um pessegueiro; mas ainda haveria lugar para mais cinco ou seis árvores de fruto, assim como pelos muros alguma trepadeira florente. Poderás tu trazer-me algumas sementes ou estacas dalguma
coisa que sirva neste caso?... O Oliveira Martins fornece planta de morangos e umas canas ornamentais que dão plumas. Mas em nada se mexeu ainda, esperando a tua vinda, e o auxílio e conselho - ope et consilio - dum jardineiro e em geral agrícola da tua força!
E não se devem esquecer as referências aos vinhos minhotos, cuja oferta tantas vezes agradece e elogia: "Já libei os teus néctares minhotos. Como originalidade, ponho o clarete acima de tudo: criaste nele um tipo. Ao seco, acho-o seco demais, e no género fino, prefirolhe o bastardo. O outro, que não traz nome, também me agrada. Em conclusão: como tipo, ponho o clarete em primeiro lugar, e ponho em último o seco que ainda assim se bebe com gosto. De tudo vou libando e degustando, mas não segundo o teu programa, que parecia feito para a mesa dum epicurista! Ora a minha é monacal!"
Ou ainda: "Do teu vinho, que já tenho libado, dir-te-ei maravilhas. É em tudo digno da reputação que no ano passado alcançara e que fica agora inabalável. Este teu produto prova uma coisa, e é, que se os lavradores do Minho, em vez de estragarem a uva fazendo uma zurrapa de bárbaros, fizessem daquilo, podiam criar um tipo de vinho para ser muito nomeado, e dar-lhes bastante interesse. Verdade é que o que eles fazem, tal como é, vendem-no e bebem-no perfeitamente. Mas é incrível como nós estragamos as nossas matérias-primas!"
Bem cedo Antero se apercebeu que o feitio calmo e ponderado do seu amigo lhe era salutar, transmitindo-lhe uma serenidade benéfica. Quando da viagem para Paris, na hora da despedida, assim o deixa transparecer: "De todos os meus amigos, parece-me que a nenhum escrevo nesta hora com tão bom ânimo como a ti, porque a nenhum deixo num estado de espírito que me inspire tanta confiança e em circunstâncias dentro e fora de si, que tanto auxiliem. O velho lirismo, a visão do ideal antigo persegue-te menos; tens mais paz no temperamento e a experiência tem-te aproveitado mais".
E quando o projecto parisiense começou a ruir, a carta mais angustiada e o pedido de socorro mais aflitivo vêm para Guimarães. A desilusão é aí tão sentida, tão sofrida, tão real, que Sampaio não hesitou em publicar alguns excertos no In Memoriam, porque nessa carta, Antero, ainda na verdura dos seus vinte e cinco anos, já deixa transparecer a dicotomia em que se debaterá durante toda a vida: entusiasmo depressão, actividade inércia, esperança desespero: "Escrevo-te do fundo da mais profunda tristeza" e não se envergonhava de o confessar ao amigo. Paris desiludira-o completamente. Nada lhe interessava naquela louca capital do Segundo Império que se preparava afanosamente para a Exposição Universal de 1867. E não podia honradamente aparecer à família senão passado um ano, pois não queria que supusessem que a tentativa de emprego em que se empenhara não passaria de uma farsa de rapaz para apanhar dinheiro e viajar. Por isso perguntava a Alberto Sampaio e ao irmão se o poderiam albergar durante um ano
ou associá-lo aos trabalhos de lavoura até ele poder desassombradamente desembarcar em Ponta Delgada. Pedia-lhes por fim que não comunicassem a ninguém, nem mesmo aos amigos mais próximos, o conteúdo daquela carta.
O pedido foi prontamente atendido e Antero regressou incógnito, para se restabelecer daquela profunda depressão, na quinta de Santa Ana perto do Mosteiro da Costa em Guimarães. E durante toda a sua vida pode sempre contar incondicionalmente com os seus amigos Sampaios. Em 1875, no período aguda da doença, quando os médicos desesperavam de o curar e já só lhe receitavam viagens, ele pede informações acerca da possibilidade de estanciar em Braga ou Guimarães durante uma temporada, preferindo a cidade berço, mas julgando que a dos arcebispos estaria melhor apetrechada em termos hospitalares. Mas a resposta vem ao encontro dos seus desejos: "Decididamente o berço da monarquia é uma terra de grandes recursos, e compreendo e admiro a profunda sagacidade de que deu prova o conde Dom Anrique escolhendo-a para a sua corte! Reconheço também gostosamente que têm mais utilidade do que eu julgava as confrarias, e que é grande o seu espírito de tolerância, pois assim abrem os braços a um livre pensador inválido. Abrirei de ora avante, nas minhas invectivas ímpias, uma excepção honrosa em favor da Confraria de S. Domingos".
Nestas cartas, ao contrário de outras, principalmente as que dirigiu a Oliveira Martins, Jaime Batalha Reis e João Lobo de Moura, raramente os assuntos literários têm primazia e, muito menos, os políticos. É neste capítulo que as divergências entre Antero e Alberto Sampaio são mais evidentes e por isso ele evita-as ou menciona-as muito superficialmente. Apenas quando ataca os republicanos é mais loquaz, embora as razões que o levam a atacar a República não sejam seguramente as mesmas de Alberto Sampaio que foi sempre um convicto adepto da Monarquia.
Para Antero a questão política, porém, desaparecia perante a questão social e económica e, muito principalmente, perante a questão moral. Num artigo publicado no Pensamento Social de Fevereiro de 1873, A República e o Socialismo, em que defendia a sua posição perante a Primeira República espanhola, já ele afirmava: " Se a República não for mais do que a continuação da monarquia sob outro nome, a monarquia menos o monarca; se representar as mesmas tradições administrativas e financeiras, as mesmas influências militares e bancárias; se fizer causa comum com a agiotagem capitalista contra o povo trabalhador; se não for mais do que uma oligarquia burguesa e uma nova consagração dos privilégios pelos privilegiados ¾ em tal caso diremos que nos é cordialmente antipática essa pretendida república de antropófagos convertidos.
Se não for tão longe no caminho da reacção, mas se se contentar apenas com meias reformas sem alcance nem futuro, com uma meia descentralização, uma meia liberdade, um meio militarismo e um meio capitalismo; se for incolor, frouxa, indecisa, declamatória e pasteleira, para tudo dizer com uma palavra sagrada - nesse caso não diremos que somos hostis a essa pseudo-república de meninas de colégio; mas a nossa simpatia será apenas a suficiente para lhe rezarmos um Padrenosso por alma.
Se, finalmente, a república espanhola, evitando igualmente as violências da ditadura vermelha e a funesta aliança dos conservadores endurecidos, aplanar com mão firme um largo terreno de liberalismo em que se possam encontrar todos os partidos médios, não para apenas coexistirem inertes, incomodando-se uns aos outros, no meio da impotência geral, mas para cooperarem activamente, com mútuos sacrifícios e justos compromissos, na gradual reforma das instituições não só políticas mas económicas; se desta alta conciliação sair a anulação, pela própria impotência e não pela força, dos partidos extremos tanto revolucionários como conservadores; se a república, começando por vagamente democrática, se for definindo dia a dia como social, e isto não pela iniciativa autoritária, mas pela evolução dos interesses dentro de uma forma política, que não embarace uma única autoridade justa, nem pretira um único direito, tenha ele o nome que tiver ¾ nesse caso diremos que essa república liberal, progressiva e reparadora não é ainda inteiramente a nossa, porque a nossa é o Ideal, mas calorosamente mostraremos que simpatizamos com ela do coração, porque muito bem sabemos que o nosso Ideal Completo não é para hoje, nem mesmo para amanhã, e não pretendemos que ninguém no-lo realize de um dia para o outro, mas só exigimos garantias sérias para que nós mesmos o possamos ir realizando passo a passo e hora a hora, lentamente, mas sempre".
Assim se compreende a sua tomada de posição face aos republicanos portugueses, que sempre classificou de garotos e de raça pérfida. Sabendo portanto dos ideais fortemente anti republicanos do seu amigo Sampaio, sentia-se à vontade para bem expressar a sua opinião:"Dir-te-ei que o republicanismo avulta de dia para dia. Mas que republicanos! É um partido de lojistas, capitaneado por bacharéis pífios ou tolos. É quanto basta para se lhe tirar o horóscopo. Duma tal república só há-de sair a anarquia e a fome!".
Alberto Sampaio não participou nas Conferências do Casino, nem iria participar nas que se iam seguir, mesmo que elas não tivessem sido proibidas e o seu nome não consta de qualquer prospectoprograma nem, que se conheça, em nenhum protesto contra o seu encerramento compulsivo. Foi certamente convidado. Só que o clima pseudo-revolucionário que as Conferências aparentemente vinculavam não o seduzia.
Nem as palavras de Antero, nem a sua autoridade moral, foram suficientes para o sossegar: "Pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas as pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam a sua atenção aos que pretendem ter uma acção - embora mínima - nos destinos do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado dos seus estudos e trabalhos". Sampaio temia o poder das classes populares e era claramente pela repressão. Numa carta de 1894, a Luís de Magalhães, interroga-se: "Onde irá ter tudo isto? Se a ordem aparente se perturba aqui ou ali, a revolução social rebentará como um vulcão, e depois com todos os horrores da barbária - a punhal! Este trágico fim do Carnot mostra bem o que acontecerá no dies irae quando as classes populares se desencadearem furiosas sobre a civilização que elas não amam nem compreendem".
A verdade é que Carnot fora apunhalado tal como Henrique IV e outras cabeças coroadas e essas mortes não foram desencadeadas pelas classes populares furiosas. Alberto Sampaio não lera, certamente, o excelente artigo que Eça de Queirós escreveu para a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, sobre a morte do Presidente da República Francesa, “A Morte e o Funeral de Carnot”, e já esquecera tudo o que Antero pensava sobre as classes populares que bem cedo, aos 18 anos, defendera no artigo “A Ilustração e o Operário” publicado no Cisne do Mondego em 1860: "Se o rico pode em parte suprir pelo ouro a ciência que lhe falece, o pobre e deserdado só nela pode contar como única e delicada amiga. Ao rico, afeiçoou uma educação primorosa, transmitindo-se através de séculos. Ao operário cegam ainda as sombras de séculos de fanatismo, que lhe pesaram no espírito. Um é já filho duma civilização avançada; o outro, deserdado, sai apenas das faixas infantis da natureza".
Seja como for, Alberto Sampaio era visceralmente contra estes ideais anterianos e contra as soluções que o seu amigo preconizava e defendia: "Não somos exaltados nem impacientes, se entendemos que socialismo é sinónimo de liquidação social, entendemos também que liquidação social é sinónimo de reformas e não de subversão, de livre iniciativa e não de ditadura, de conciliação e não de extermínio e por isso mesmo que não prescindimos de liquidação social é que a queremos gradualmente equitativa, exactamente para que ela seja completa e definitiva".1
A insegurança social finessecular empurrava Alberto Sampaio, cada vez mais, para um radicalismo de opiniões que ele participava a Luís de Magalhães, um dos seus interlocutores preferidos. É, aliás, através desta correspondência que, inesperadamente, nos surge um Alberto Sampaio politicamente muito empenhado e, até, quem diria, interveniente bastante activo. "Por toda a parte o roubo, as falsificações, e sobretudo a desfaçatez. Se a crise financeira produzir um homem que saiba governar, venha ele amanhã. Antes, não creio que se possa arrostar com os descarados e os ladrões: mas dado um momento de angústia, então é possível esmagar os malandros. Caberá ao João Franco varrer toda esta imundice? Será ele assaz ousado para entrar neste caminho sem vacilar? Precisa de grande coragem e resolução, para não lhe enredarem os passos, o círculo de relações em que tem vivido e as suas antigas preocupações. Parece-me que só pode resolver o problema o homem que tenha uma única religião e um sentir - A Razão de Estado - Com este gládio, em pouco tempo põe tudo direito".
Começa aqui a desenhar-se a esperança e a admiração crescente de Alberto Sampaio pelo futuro ditador João Franco, esperança e admiração partilhadas igualmente por Luís de Magalhães. É desta convergência de opiniões que irá nascer o movimento dos Endireitas analisado já por Manuel Villaverde Cabral no seu Portugal na Alvorada do Século XX como o embrião de "uma reforma autoritária e conservadora do Estado liberal, em suma, um movimento comum em direcção à superação do Liberalismo, mediante a rendição crescente às tendências corporativas e fascizantes que convergem, definitivamente, depois de 28 de Maio de 1926".
Mas a designação de Endireitas teve o seu baptismo na imprensa e de forma jocosa e pejorativa. Os jornalistas só inventaram a designação para dela troçarem. E Alberto Sampaio, indignado com o que ia lendo, escreveu mais uma vez a Luís de Magalhães, sem poder imaginar como esse longo desabafo nos surge hoje quase como a certidão de nascimento desses mesmos Endireitas: "A visita a Moreira, (casa de Luís de Magalhães) como todos sabemos não teve nenhum motivo partidário, ninguém pensou em tal, nem de política lá se tratou, a não ser esta meia dúzia de palavras obrigatórias entre os portugueses instruídos. O que nos prendia a atenção era a leitura do manuscrito do Mouzinho que revelava um Homem de Estado, mas também é fora de dúvida que entre os três hóspedes e o dono da casa - eu fico de fora porque nunca exerci funções públicas - entre todos havia uma forte afinidade política. Não era precisa a discussão para se patentear, nem é também das que se discutem, mas das que rebentam espontâneas na primeira ocasião oportuna. Por outro lado (tanto quanto sei de política, pois as minhas congeminações são
outras) creio que está eminente uma mudança profunda na nossa vida pública. Os velhos partidos como os velhos processos estão em vésperas de acabar: e se as circunstâncias e condições da actualidade nos não forem totalmente adversas, a vida nacional renovar-se-á, mas governando-se dum modo diferente... A denominação de Endireitas não podia aparecer senão quando o aleijado está ameaçado de não mais se poder mexer e quando se apontam homens de boa vontade, capazes de reduzir os aleijões e pôr a andar outra vez o das pernas quebradas... Se o doente reconheceu a incapacidade dos médicos profissionais, encontrará nos Endireitas os pulsos hercúleos dos seus antigos ilustres conterrâneos de Rio Tinto".
Os intervenientes nessa reunião de Moreira da Maia, a que alude Sampaio, nesta carta de 1 de Fevereiro de 1899, são, além dele próprio, João Franco, Jaime de Magalhães Lima, o anfitrião e Mouzinho de Albuquerque que fora ler aos amigos o manuscrito do seu livro sobre Moçambique.
Sete meses haviam decorrido sobre a demissão do herói de Chaimite, que Alberto Sampaio, em carta de 21 de Julho, igualmente a Luís de Magalhães, comentara asperamente, considerando significativo o destempero governativo e de parte do público que deixara passar o caso sem o mais pequeno protesto, "ele que ainda ontem o aplaudia freneticamente. Pode haver alguma coisa mais desconsoladora que tudo isto? A gente chega naturalmente ao último pessimismo: mas a verdade é que se o povo não fosse assim, não haveria governo nem rei como os que temos".
Mouzinho de Albuquerque aparecia aos olhos de muitos como o Messias salvador, mas os messias, como dissera Antero, gastam-se se não entram logo em cena a fazer milagres. Ora milagres não houve. Os Endireitas não logravam grandes sucessos nem adesões, apesar dos seus nomes, individualmente tão prestigiados e, no dia primeiro de Janeiro de 1901, Sampaio, desiludido, escrevia mais uma vez para Moreira da Maia: "A exclusão dos Endireitas de entre os novos pares é um facto tão notável que não posso deixar de conversar consigo a respeito dele por alguns instantes. Para lhe falar com franqueza não fiquei surpreendido. Os Endireitas são hereges, que é necessário afastar e deixar na penumbra, embora com boas maneiras, e tirando deles todo o proveito possível. Pena foi que auxiliassem o governo nas eleições. Se a gratidão não fosse demasiadamente rara, devia esperarse desta vez uma excepção: mas quem pode contar com ela? "Águas passadas não movem moinhos" diz o povo! agora trata-se de moer de novo e não de moagens velhas. Posto de lado o que há de feio e indecente no procedimento hintzeano, o resultado no ponto de vista político parece-me excelente, porque ajuda a estabelecer com precisão uma linha divisória. E para os Endireitas tudo quanto tenda a delimitar o seu grupo tanto melhor". E nesse dia, o primeiro do século, as esperanças de Alberto Sampaio viram-se ostensivamente para João Franco: "Deus queira que lhe esteja reservado e aos seus amigos inaugurar no novo século uma nova vida política na nossa terra".
Em Dezembro de 1902, com Mouzinho fora da política e da vida, Alberto Sampaio é um franquista convicto, ou não fosse João Franco um Endireita, e os Endireitas, como Sampaio ingenuamente supunha, só se moviam "impulsionados pelos interesses superiores da nação". Quantos Endireitas? apetece perguntar.
Nos anos que se vão seguir, com os republicanos a aumentar de número sem que uma opinião forte "os metesse na ordem", como lamentava Sampaio, a demissão de usar da força por parte daqueles que a detinham parecia-lhe uma loucura. Em 1905, na sequência das lutas internas na Rússia, interrogava ele Luís de Magalhães: "Não lhe parece que o czar perdeu a melhor das ocasiões de resolver a questão socialista pondo-se à frente da revolução? Tornava-se certamente o maior potentado do mundo e deixaria na História o mais belo exemplo do poder de um homem. Agora não sei o que será. Trevas, lutas de classes por quanto tempo!"
Como é compreensível a sua alegria quando finalmente João Franco se tornou primeiro ministro! Durante a visita que o Presidente do Conselho fez ao Porto, Sampaio desceu à cidade invicta para
participar nas festividades e de lá escrever a Luís de Magalhães, o recém nomeado senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, porque os Endireitas tinham afinal conseguido lugar de destaque entre os vencedores: "Cheguei no sábado. Vim prestar aos meus amigos a minha insignificante homenagem.
Da recepção cheia de espontaneidade, não lhe falo, porque já terá dela notícias circunstanciadas. Deixe-me todavia, notar alguns incidentes característicos. No fim da conferência, ouvi a um popular a seguinte frase - "O homem quer fazer disto qualquer coisa". Estas palavras mostram que está ganha grande parte da confiança da população, o que é tudo, porque sem ela não pode haver governo reformador. Rasgou-se o delgado véu que separava o Franco dos portuenses. A sua sinceridade, a sua forte e expansiva individualidade, lançou-lhos nos braços. À saída de casa do José Novais, um desconhecido, entre popular e burguês, com quem abalroei, gritou me: "E digam lá que o Franco não tem aqui amigos?" E ao chegar a minha casa, dum grupo de sobrecasacados saía esta exclamação: "Quê? pois o presidente do conselho falou ao povo das janelas?"
A visita tomou assim um carácter muito diverso da norma usual. Dir-se-ia que pela primeira vez as gentes fraternizavam com os ministros; e não fique sem se notar a tipóia de praça que os levou em parte do cortejo. Viu já porventura alguma coisa menos conselheiresca numa recepção destas?
No bota fora, na estação de São Bento, por mais esforços que eu fizesse não consegui atravessar a multidão compacta que cercava os nossos amigos e partiram sem eu lhes poder dar o adeus da
despedida".
Se Antero pudesse ter lido esta carta, como teria sorrido perante a santa ingenuidade e, o que será menos desculpável, a falta de um conhecimento mínimo do que é a reação das turbas quando bem manipuladas, por parte do seu amigo Alberto.
Menos de um ano depois, Alberto Sampaio já não elogiava Franco nem a sua "forte e expansiva personalidade". Não deixa de espantar como é que homens de cultura como ele podiam cair na esparrela do populismo e do individualismo do salvador da pátria. Mas caiam. Felizmente também, os salvadores não o são por muito tempo.
Luís de Magalhães deixou o Palácio das Necessidades tão magoado que nem quis receber a condecoração-consolação que o rei lhe reservara e Sampaio, em Agosto de 1907, indignava-se contra uma lei franquista, afinal uma lei justa mas cujas consequências lhe eram desagradáveis e adversas: a lei do descanso semanal. "Mal pensada, sem conhecimentos da vida nacional, feita talvez só com o propósito de angariar simpatias populares, está destinada a ser um caso grave. Alterar os costumes com leis é remar contra a maré. Já era tempo de estar corrente e moente que as leis não são mais que costumes escritos, e quando não os exprimem são letra morta".
Para os camponeses e operários é que esta lei não foi certamente letra morta. Mas quanto esforço, quanta humilhação, quanta demissão dos seus direitos, até que ela se tornasse realidade. Quantos senhores da terra a não cumpriram durante tantos anos.
Mas a ditadura de Franco caiu. Todos acabam por cair, porque, como escrevera Antero: "Não é na substituição da ditadura de Sila à de Mário, da de Napoleão à de Robespierre, da de Espartero à de Isabel II que está o segredo das revoluções, mas na extinção total da ditadura fosse ela a de um santo, da tirania fosse ela a de um deus".2
Após o regicídio, Sampaio desiludiu-se de vez com a sua fugaz incursão pela política. Antero estava presente nas suas recordações quando escreveu: "Por mim não creio em revoluções. Os homens governantes podem mudar, mas a intelectualidade fica a mesma, a que tinha sido. A respeito da decadência dos povos de línguas românicas, estou cada vez mais convencido que o mal lhes provem do catolicismo que é a religião de todos. A igreja católica, com o excesso de disciplina, partiu-lhes a energia intelectual e moral. Pobre gente! Donde lhes virá a salvação".
Afinal acabou por concordar com Antero e com as conclusões a que ele chegara tantos anos antes nas Causas da Decadência dos Povos Peninsulares.
Já poucos meses lhe restavam de vida. A sua obra de historiador estava concluída e títulos como A Propriedade e Cultura no Minho e Vilas do Norte de Portugal são essenciais para o esclarecimento das nossas origens históricas. Não foi um génio, como Antero, e tinha plena consciência desse facto. Quando da publicação do In Memoriam, após ter lido o infeliz ensaio de Sousa Martins, expressou, indignado, a sua opinião: "A coisa parece-me uma sebenta para uso dos seus estudantes. Não creio que seja deprimente para o carácter de Antero porque se não houvesse nevropatas, Schiller, Goethe e outros que tais, ficava o mundo povoado de Sousas Martins, o que seria de a gente morrer de tédio".
Ao tomar conhecimento da tragédia de 11 de Setembro de 1891, escreveu a Oliveira Martins: "Enfim acabou-se o nosso santo amigo e com ele vai uma boa parte de nós mesmos".
Só que ambos continuam entre nós e a oportuna comemoração conjunta que a Sociedade Martins Sarmento organiza é bem o testemunho da imortalidade que ambos alcançaram.

1 A República e o Socialismo.
2 Antero de Quental, "Portugal Perante a Revolução de Espanha" in Prosas, Vol II,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 1926.

BIBLIOGRAFIA
Antero de Quental ¾ In Memoriam, Mathieu Lugan Editor, Porto, 1896.
Quental, Antero de, Cartas I e II, Int., Org. e notas de Ana Maria Almeida Martins, Univ. Açores/Ed. Comunicação, 1989.
Cabral, Manuel Villaverde, Portugal na Alvorada do Século XIX, Lisboa, 1979.
Queirós, Eça de, "A Morte e o Funeral de Charcot", in Ecos de Paris, Lello & Irmão, Porto.
Espólio de Luís de Magalhães (Esp/2) depositado na Área de Espólios da Biblioteca Nacional de Lisboa. (cartas de Alberto Sampaio a Luís de Magalhães)

Uma mulher na vida de Antero.Apresentação da dr.ª Ana Maria de Almeida Martins - Henrique Barreto Nunes

É pouco vulgar o apresentador de um conferencista não possuir quase nenhuns dados biográficos acerca da pessoa sobre quem vai falar.
É este, porém, o meu caso hoje. Da Drª Ana Maria Almeida Martins só poderei falar a partir da sua obra sobre Antero.
Caso raro este, de uma singular discrição num país que cada vez mais se cultiva o protagonismo, a evidência a qualquer custo.
Ana Maria Almeida Martins é, hoje em dia, a figura principal da bibliografia activa e passiva Anteriana.
Assim poderá perguntar-se como entrou Antero na vida desta mulher, que o trata com verdadeira paixão.
Uma entrevista publicada no “Público” de 7 Jun. 91 revela-nos a origem desse interesse: “O meu primeiro encontro com Antero vem da fascinação que senti pela personagem nos seus tempos de Coimbra.
Comecei por achar desusado que um jovem de 20 anos chegue a Coimbra e abane aquilo tudo...
...a coragem de desafiar o que não presta
...o tipo que dá o passo em frente sem pedir licença a ninguém
...que nunca dobra a espinha
...que ousa desafiar Castilho
Pode imaginar-se a força que era precisa a um jovem de pouco mais de 20 anos para fazer as coisas que fez na Coimbra do séc. XIX.
Achei isso fascinante.
Só muito mais tarde é que veio o encontro com a poesia e de seguida com o resto da obra.
Nada fazia prever que eu ia publicar coisas. Escrever [sobre Antero] veio por acréscimo”.
O acréscimo produziu a bibliografia fundamental que passarei a citar:
  • CARTAS DE VILA DO CONDE
    Porto: Lello, 1981

Uma colectânea que inclui muitas das cartas que Antero escreveu durante os quase 10 anos que viveu em Vila do Conde.
Constituem uma parte indispensável da sua obra, um testemunho humano, intelectual e moral de enorme importância para o seu conhecimento.
Em muitos pontos esta correspondência representa como que um diário do escritor, pois o Homem está inteiro nelas, confiando-nos o seu coração, as suas preocupações filosóficas e pessoais, devido à diversidade dos destinatários e às intenções e objectivos que as cartas
perseguiam.

  • CARTAS INÉDITAS DE ANTERO PARA OLIVEIRA MARTINS: UMA PROCURA PARTILHADA
    “Prelo”, Lisboa, 7, Abr.-Jun. 1985 (em colaboração com Guilherme Oliveira Martins)

Dezasseis cartas que testemunham uma intensa amizade intelectual que se transformou numa autêntica comunhão de espíritos.

  • CARTAS INÉDITAS A ALBERTO SAMPAIO
    Lisboa: O Jornal, 1985

Possuem características únicas na epistolografia anteriana. São o testemunho de uma longa (de 30 anos) e profunda amizade que as 97 cartas reunidas perpetuam, constituindo um documento imprescindível para o estudo de alguns dos protagonistas da Geração de 70.

Mas desta amizade certamente nos falará hoje com grandedetalhe a Drª Ana Maria Almeida Martins.

  • O ESSENCIAL SOBRE ANTERO DE QUENTAL
    Lisboa: Imprensa Nacional — C.M., 1985

Uma breve e concisa introdução à biografia de AQ, que cumpre inteiramente os objectivos da colecção em que se integra e serve para criar a vontade de ir mais longe, de partir à descoberta da obra de “uma das mais fascinantes, se não a mais fascinante figura da nossa literatura”.

  • ANTERO DE QUENTAL: FOTOBIOGRAFIA
    Lisboa: IN-CM/ Sec. Reg. Educação e Cultura Açores, 1986

Não se pode falar de Antero sem paixão, mas uma paixão lúcida e consciente tem obrigatoriamente que resultar do seu conhecimento.
E Antero era, até há pouco, praticamente desconhecido apesar de muito referenciado ou mesmo utilizado como bandeira.
Neste livro, feito essencialmente para ser visto, a Autora procurou reproduzir a verdadeira efígie de Antero, que este desenhou e subscreveu, sobretudo na célebre carta autobiográfica dirigida a
Wilhelm Storck em 1887, para servir de prefácio à tradução alemã dos sonetos.
Uma carta a Cândido de Figueiredo (1881) e excertos de outras dirigidas a vários amigos constituem as fontes originais que permitam traçar com grande segurança e fidelidade o itinerário anteriano.
Mas este livro é, sobretudo, imagem, constituída por uma riquíssima iconografia que nos permite acompanhar, a par e passo, o percurso de Antero, pontuado com textos judiciosamente seleccionados que explicam ou completam as ilustrações.
E assim começamos a percorrer demoradamente, preguiçosamente, mas com um prazer imenso, as imagens deste livro, partindo das origens ¾ físicas e familiares ¾ açorianas.

E como num filme envolvente, vemos perpassar as pessoas e as casas, as palavras e os livros, as revistas e os jornais, os sonhos, os projectos, os movimentos, as realizações. E os amigos. E os lugares.
Castilho e os manos Sampaios, Eça e Germano Meireles, Michelet e Oliveira Martins, a Geração de 70 aqui nos surgem em carne e osso.
De S. Miguel a Coimbra, de Paris a Lisboa, de Vila do Conde (e Boamense) a Ponta Delgada (e ao campo de S. Francisco, e ao tiro necessário) Ana Maria Almeida Martins leva-nos na companhia de Antero e do seu inconformismo, da sua lucidez, da sua revolta e do seu génio, da sua angústia.
De uma documentação iconográfica extremamente rica, fruto de um conhecimento exaustivo sobre a época e sobretudo de uma investigação paciente, aturada e rigorosa, resulta uma obra fascinante e reveladora que nos permite reconstruir fielmente o retrato do homem e da sua circunstância.

  • CARTAS
    Lisboa: Comunicação ¾ Univ. Açores, 1989-1990 (Obra completa de Antero de Quental; 6/7)


Eis a correspondência quase completa de um dos nossos “raros heróis culturais” (E. Lourenço), porventura a personalidade mais fascinante que alguma vez surgiu no panorama literário e cultural português.
As cartas, para além de tudo o que nos trazem para o conhecimento da vida e da obra de AQ, vêm ampliar o nosso conhecimento sobre a prosa de um autor que segundo A. Sérgio seria “o mais sóbrio, o mais puro, o mais clássico dos prosadores da língua portuguesa”.
Foi Joel Serrão que em 1982 incitou Ana Maria Almeida Martins a iniciar a recolha de todas as cartas de AQ já conhecidas em livro ou dispersas por jornais e revistas, com intenção de posteriormente as publicar.
O ponto de partida desta recolha teria de ser a biografia de Bruno Carreiro, cuja importância é desnecessário encarecer.

Uma edição das cartas, subordinadas às exigências do rigor, impunha como tarefa prioritária a localização dos originais, tais as incongruências e deficiências detectadas no confronto de diversas
edições em que vêm sendo publicadas.
Tarefa morosa e difícil porque não se conseguiram localizar algumas cartas, mas de qualquer modo a grande maioria é pela primeira vez apresentada na íntegra.
Algumas inéditas foram incluídas neste volume mas outras ainda poderão existir na posse de particulares.
Foi um longo peregrinar que levou mesmo a autora até Veneza, para analisar o espólio de Joaquim de Araújo, e a uma infinidade de contactos com pessoas e instituições onde as cartas publicadas se podem encontrar.
Das 704 cartas recolhidas, 516 foram directamente cotejadas com os originais, sendo 203 inéditas ou pela 1ª vez publicadas em volume.
As cartas são publicadas por ordem cronológica havendo naturalmente diversos problemas de datação que a autora procurou resolver a partir do seu conhecimento sobre Antero.
O critério cronológico permite acompanhar o percurso biográfico de Antero.
Os critérios de transcrição das cartas são rigorosamente apresentadas na introdução.
O volume é substancialmente enriquecido com uma bibliografia sobre as publicações onde anteriormente apareceu a correspondência anteriana.
Preciosos índices (destinatários, onomástico, geográfico e toponímico, temático e de ilustrações e ainda um analítico das cartas) completam este trabalho feito com um rigor, uma seriedade, uma
qualidade inexcedíveis.
Magníficos livros, estes.
Não se poderá voltar a estudar Antero sem recorrer à fotobiografia e sobretudo às cartas que ajudam a esclarecer dúvidas e interrogações que a sua vida tantas vezes levanta.
As comparações são sempre pouco simpáticas mas, para mim, a investigação de Ana Maria Almeida Martins sobre Antero só pode encontrar paralelo naquela que Alexandre Cabral dedicou a Camilo, o outro genial suicida da nossa literatura ¾ e para Antero ou Camilo, o suicídio é um desenlace inevitável feito de lucidez e coragem.
Não duvido que a cultura portuguesa ficará eternamente devedora à Drª Ana Maria Almeida Martins, que a SMS em boa hora convidou, por estes trabalhos, que tanto contribuem para melhor conhecer uma das personalidades mais perturbantes da sua história.

Revista de Guimarães, n.º 102, 1992, pp. 321-325

sexta-feira, novembro 20, 2009

Raios de extincta luz (...) - Antero de Quental (1892)

Quental, Antero de - Raios de extincta luz / poesias ineditas (1859-1863) com outras pela primeira vez colligidas / Anthero de Quental ; precedidas de um escorso biographico por Teophilo Braga, Lisboa, M. Gomes Livreiro-Editor, 1892.

A philosophia da natureza dos naturalistas / Anthero de Quental (1894)

Quental, Antero de - A philosophia da natureza dos naturalistas / Anthero de Quental, Ponta Delgada, Typ. Editora do Campeão Popular, 1894.

Odes Modernas - Antero de Quental (1875)

Quental, Antero de - Odes modernas / Anthero de Quental, 2ª ed. contendo várias composições ineditas, Porto, Livraria Internacional de Ernesto Chardron e Eugenio Chardron, 1875.

Sonetos / Antero de Quental (1880)

Quental, Antero de - Sonetos / Antero de Quental, Porto, Imprensa Portugueza, 1880.

Os sonetos completos de Anthero de Quental (1890)

Quental, Antero de - Os sonetos completos de Anthero de Quental publicados por J. P. Oliveira Martins, Segunda edição, augmentada com um appendice contendo traducções em allemão, francez, italiano e hespanhol, Porto, Livraria Portuense, 1890.

Os sonetos completos de Anthero de Quental - (1886)

Quental, Antero de - Os sonetos completos de Anthero de Quental / publicados por J. P. Oliveira Martins, Porto, Livraria Portuense de Lopes & Cª Editores, 1886.

http://www.archive.org/details/ossonetoscomple00quengoog

ou

http://purl.pt/122/3/

Zara - Antero de Quental (1894)

Quental, Antero de - Zara. Edição Polyglotta, Lisboa, Imprensa Nacional, 1894.

Os sonetos completos de Anthero de Quental (1922)

Quental, Antero de - Os sonetos completos de Anthero de Quental, Prefaciados por J. P. Oliveira Martins, Nova Edição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1922.
http://www.archive.org/details/ossonetoscomplet00quenuoft

Anthero de Quental; sixty-four sonnets Englished by Edgar Prestage .. (1894)

Quental, Antero; Prestage, Egar - Anthero de Quental sixty-four sonnets Englished by Edgar Prestage, London, David Nutt, 1894.
http://www.archive.org/details/antherodequental00quen


A viagem de Antero de Quental á America do Norte - Antonio Arroyo (1916)

Arroyo, António - A viagem de Antero de Quental á America do Norte, Porto, Renascença Portuguesa, 1916.
http://www.archive.org/details/viagemdeanterode00arroiala

Sonnets and poems of Anthero de Quental - Antero de Quental, S. Griswold Morley (1922)

Quental, Antero de; Morley, S. Griswold (tradutor) - Sonnets and poems of Anthero de Quental, Berkeley, California, University of California, 1922.
http://www.archive.org/details/sonnetspoemsofan00quen

Antero de Quental - Portugal Dicionário Histórico

Quental (Antero Tarquino de).

n. 18 de Abril de 1842.
f. 11 de Setembro de 1891.



Bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra; publicista, homem politico, filosofo e poeta. N. em Ponta Delgada a 18 de Abril de 1842, onde também faleceu a 11 de Setembro de 1891. Era descendente duma das mais antigas famílias das ilhas dos Açores, sendo filho de Fernando do Quental.



Depois de estudar as primeiras letras na sua terra natal, veio para Lisboa e cursou as aulas do estabelecimento de ensino fundado e dirigido por António Feliciano de Castilho. Em 1856 foi matricular-se em Direito na Universidade de Coimbra, tomando o grau de bacharel em 1864. Desde 1860 que o jovem poeta se tornara conhecido no mundo literário, com a publicação em opúsculo anónimo, segundo Raymundo Capella, da poesia À historia, cujas estrofes são as que abrem a primeira edição das Odes modernas. Desde esse ano apareceram também várias poesias e artigos de prosa nos jornais Academico, Preludios litterarios, Estreia litteraria, Phosphoro, publicados em Coimbra. Em 1861 saiu dos prelos da Imprensa Literária da mesma cidade, um folheto intitulado Sonetos de Anthero. Em 1863 publicou-se o poemeto Beatrice, e a poesia Fiat lux, que se tornou raríssima, por ter o seu autor inutilizado quase todos os exemplares, poucos dias depois de impressos. Mas em 1865 é que se publicou, também em Coimbra, o volume das Odes modernas, que marcou a Antero do Quental um lugar de destaque nas letras portuguesas. Deste livro se fez segunda edição no Porto em 1875, contendo varias composições inéditas. No Porto também saiu, em 1871, o volume das Primaveras romanticas, com o subtítulo de versos dos vinte anos. A série das suas publicações em prosa, encetou-a Antero do Quental em Coimbra, em 1865, com a sua Defesa da Carta encíclica de Sua Santidade Pio IX contra a chamada opinião liberal; este opúsculo tem esta dedicatória: “A todos os católicos sinceros e convictos. A todos os hereges sinceros e convictos. Testemunho de boa-fé.”

Outro opúsculo, publicado no mesmo ano de 1865, é que provocou uma verdadeira tempestade literária, denominada A questão coimbrã. Intitulava-se Bom-senso e bom-gosto; carta ao ex.mo Sr. António Feliciano de Castilho; reimprimiu-se primeira e segunda vez, contando ao todo três edições. A virulenta e prolongada polémica literária que derivou daquele opúsculo, chegou ao extremo de redundar num duelo à espada entre Quental e Ramalho Ortigão, autor do opúsculo Literatura de hoje. O duelo efectuou-se no Porto, no sítio chamado da Arca de Agua, ficando Ramalho Ortigão levemente ferido num pulso. Ainda em 1865. publicou Antero do Quental em Lisboa, um outro opúsculo A dignidade das letras e as literaturas oficiais, em que atenuou alguns dos exageros da sua apreciação no opúsculo que provocara a questão coimbrã. Volvidas depois as publicas atenções para os factos político-sociais, interveio Antero do Quental nos debates do momento com a publicação dos opúsculos de combate: Portugal perante a revolução de Espanha, considerações sobre o futuro da politica portuguesa? O ponto de vista da democracia ibérica, em 1868; e O que é a Internacional; o socialismo contemporâneo, o programa da Internacional; a organização da Internacional; as conclusões, em 1871, este sem o nome do autor.

Entretanto, promoviam-se em Lisboa, no salão do Casino Lisbonense, as Conferencias democráticas, cujo programa tem a data de 16. de Maio de 1871, e é assinado além de Antero do Quental, por Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queiroz, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, J. P. Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga e Teófilo Braga. As Conferencias democráticas foram inauguradas por Antero do Quental, que também fez a segunda conferência, a qual teve por tema as Causas da decadência dos povos peninsulares nos três últimos séculos. Este notável discurso foi publicado no Porto no mesmo ano de 1871; nele dá Antero do Quental como causas da decadência de Portugal a monarquia e o catolicismo. Proibidas as Conferencias democráticas por uma portaria do então presidente do conselho de ministros, o marquês de Ávila e Bolama, Antero do Quental publicou a sua Carta ao Ex.mo Sr. António José de Ávila, marquês de Ávila, presidente do conselho de ministros, que está escrita com veemência e enérgica indignação.

Afastando-se por essa época da vida publica, após uma viagem aos Estados Unidos, dedicou-se mais especialmente Antero do Quental ás preocupações literárias entrando na nova polémica literária suscitada pela versão do Fausto, de Goethe, pelo visconde de Castilho, desta vez do lado deste e seus amigos e admiradores; dessa época é também o seu opúsculo Considerações sobre a filosofia da história literária portuguesa, em 1872, onde aprecia o livro de Oliveira Martins sobre Camões e os Lusíadas e a Teoria da história da literatura de Teófilo Braga. Em prosa há dispersos por jornais e revistas, muitos artigos dignos de leitura e meditação, como acerca de Lopes de Mendonça, nas colunas duma folha operária do Porto. Deve-se também mencionar os seus manifestos políticos, quando o partido socialista, em 1880, lhe indicou o nome aos eleitores como candidato a deputado por um círculo de Lisboa. Em 1892, o livreiro Gomes, de Lisboa, editou o volume raios de extinta luz, poesias inéditas de Antero de Quental, com outras pela primeira vez coligidas, precedidas de um esboço biográfico por Teófilo Braga. Das suas obras poéticas, além da imitação dum soneto por Manuel del Palacio, traduções em espanhol por Frederico Balart, segundo comunicação de Sanchez Moguel, havendo a Illustracion Española y Americana apresentado já especímenes desta versão; de Manuel Curros Enriquez; e de Baldomero Escobar. Em francês, além de Fernando Leal, traduziram Antero do Quental o autor de Epines et roses, em Gouttes d'Ame, Paris; Achille Millien, em suas Fleurs de poesie, morceaux des poétes étrangers contemporains, traduits en vers; Maxime Formont no capitulo III da sua obra Le Mouvement poéti­que contemporain en Portugal, Lyon, 1892; e H. Faure. Em italiano, contam-se as versões de Marco Antonio Canini, Giuseppe Cellini, Domenico Milelli, E. Teza, G. Zuppone-Strani, com quem colaborou o autor das Fiori d'Oltralpe, onde, além da tradução de varias poesias insere igualmente a versão siciliana Zara, traduzida outrossim em dialecto corso por A. P. Fioravanti; esta poesia, bem como os sonetos A Virgem Santíssima e Quia aeternus, em italiano, foi traduzida outrossim por Prospero Peragallo e Clelia Bertily; desta versão se encontra uma reprodução no livro de António Padula, I nuovi poeti portoghesi, onde também se vê uma tradução Dos Captivos em prosa. Do epitáfio Zara, há também uma tradução em italiano por Francisco Accineili. A edição poliglota Zara (Lisboa, Imprensa Nacional, 1894) compreende traduções em latim, italiano, siciliano, calabrês, napolitano, bolonhês, romanhol, veneziano, veronês. milanês, genovês, romanche, francês, valão, bearnês, delfinês, provençal, e catalão, maiorquino, castelhano, asturiano, mirandês, galego, romeno, polaco, boémio, russo, esloveno, eslovaco, croata, grego, albanês, inglês, sueco, dinamarquês, norueguês, neerlandês, alemão; daco saxónico, bretão, irlandês, daco-cigano, hebraico, árabe, finlandês, húngaro e basco. A estas versões cumpre aditar as posteriores em russo, em eslavo de Montenegro e em arménio antigo e moderno. Das outras obras poéticas de Antero do Quental resta registrar as traduções em inglês pelo Dr. Richard Garnett e por Edgar Prestage, benemérito das letras lusitanas. Em alemão outro benemérito de nossa literatura, Wilhelm Storck, publicou uma versão dos Sonetos de Quental. Em sueco os traduziu Goran Bjorkman, como em dinamarquês recentemente Karl Larsen, professor da Universidade de Copenhaga. Dos escritos em prosa de Antero do Quental há da Carta autobiographica a Storck, versões em alemão e em inglês; e desde 1882 uma tradução espanhola do estudo crítico A poesia na actualidade, traslado devido a Ricardo Caruncho, e impresso em Corunha.

O péssimo estado de saúde de Antero de Quental, a que debalde buscava remédio no conselho das sumidades da ciência médica, como Charcot em Paris, acabara por o obrigar ao retiro de um isolamento completo, em Vila do Conde, onde em 1890, quando se deu o ultimatum inglês, o entusiasmo da mocidade académica portuense o foi buscar, oferecendo-lhe a presidência da Liga Patriótica do Norte, agremiação oriunda dum comício popular. A Liga Patriótica do Norte, porém, fracassou; e na sequência dos sucessos, veio Antero de Quental a regressar à sua terra natal, onde inesperadamente o público culto foi alarmado pela surpresa da terrível notícia do suicídio do grande poeta. No ano de 1896 apareceu no Porto, editado por Mathieu Lugan, um volume In memoriam, de Antero de Quental, colaborado por alguns dos seus mais íntimos amigos pessoais, trazendo dois apêndices, um de Ernesto do Canto, outro a excelente bibliografia Anteriana, de Joaquim de Araújo.

A este estudo se ligam os opúsculos seguintes: do mesmo Joaquim de Araújo, Bibliographia Antheriana, resposta a alguns reparos do sr. Delphim Gomes, Coimbra, 1896, e Bibliographia Antheriana, resposta aos srs. Delphim Gomes e José Pereira Sampaio, Génova, 1897; de Delphim Gomes, Bibliographia Antheriana, notas ao ensaio do sr. Joaquim de Araujo Coimbra, 1896; Bibliothe­ca Antheriana, defeza d'algumas notas impugnadas pelo sr. Joaquim de Araujo, Coimbra, 1896, e Bibliographia Antheriana, a propósito da «Resposta» do sr. Joaquim de Araujo aos srs. Delphim Gomes e José Pereira de Sampaio, por José d'Azevedo e Menezes, Barcelos, 1897.

Colecção Antero de Quental - BNP

In: http://purl.pt/14355/1/

Antero de Quental - Carlos Loures


ANTERO DE QUENTAL
Poeta: 1842 - 1891

QUANDO TUDO ACONTECEU...

1842: Em Ponta Delgada, a 18 de Abril, nasce Antero Tarquínio de Quental. A 2 de Maio é baptizado na Igreja Matriz de S. Sebastião de Ponta Delgada.
1847: Começa a aprender francês com António Feliciano de Castilho que vive nessa altura na capital açoriana.
1852: Em Agosto vem com sua mãe para Lisboa, matriculando-se no Colégio do Pórtico, do qual Castilho é director.
1853: Antero regressa a Ponta Delgada onde em 7 de Julho de 1855 concluirá a Instrução Primária. Em 20 de Outubro desse mesmo ano volta a Lisboa onde frequenta o colégio Escola Académica.
1856: Inscreve-se como aluno interno no Colégio de S. Bento, em Coimbra. Escreve os primeiros versos que lhe são conhecidos numa carta enviada a seu irmão André.
1858: Após algum tempo de estudo em Lisboa, com a ajuda de seu tio paterno Filipe de Quental, lente de Medicina, conclui os estudos preparatórios para o ingresso na Universidade de Coimbra, onde se matricula no 1º ano de Direito em 28 de Setembro, sendo admitido a 2 de Outubro.
1859: Em Abril é condenado pelo Conselho de Decanos a oito dias de prisão por, com outros estudantes, ter tomado parte num acto praxístico - armado de um cacete e com o rosto coberto, «dando grau a caloiros e cortando-lhes o cabelo». Em 24 de Maio é aprovado no acto do 1º ano de Direito. Em Setembro matricula-se no 2º ano de Direito.
1860: Mora no Largo da Sé Velha, ficando também por vezes em casa de seu tio Filipe de Quental, na Travessa da Couraça. Em Janeiro publica nos Prelúdios Literários «Na Sentida Morte do Meu Condiscípulo Martinho José Raposo». Em Janeiro, Fevereiro, Novembro e Dezembro, também nos Prelúdios, publica «Leituras Populares». Em Março, com Alberto Sampaio, Alberto Teles e outros, dirige o jornal O Académico - Publicação Mensal, Científica e Literária.
1861: Em Abril participa na fundação da Sociedade do Raio, uma sociedade secreta que se caracteriza por lançar desafios blasfemos a Deus durante a ocorrência de trovoadas. Em O Fósforo, publica um artigo sobre João de Deus: «A Propósito de um Poeta». Em Outubro matricula-se no 4º ano.
1862: Em 21 de Outubro saúda, em nome da Academia, o príncipe Humberto de Sabóia.
1863: Em 22 de Julho faz exame e passa para o 5º ano.
1864: Em 2 de Julho conclui o curso de Direito.
1866: Em Janeiro tenta alistar-se no exército de Garibaldi.
1867: Em 19 de Agosto embarca para Ponta Delgada.
1868: Em 31 de Outubro regressa a Lisboa.
1869: Em Julho embarca para os Estados Unidos.
1871: Em 22 de Maio as Conferências são inauguradas.
1874: Adoece gravemente em Ponta Delgada.
1876: Em Maio desloca-se a Ponta Delgada, regressando em Julho a Lisboa.
1877: No início de Julho faz uma viagem a Paris, onde consulta o Dr. Charcot.
1878: Entre Fevereiro e Junho hospeda-se em casa de Oliveira Martins, no Porto.
1880: Em fins de Maio, numa carta a Alberto Sampaio inclui o soneto «Estoicismo».
1882: Em Maio escreve os sonetos «Na Mão de Deus» e «Evolução».
1883: Em Maio escreve o soneto «Voz Interior».
1884: No Palácio de Cristal, no Porto, encontra-se com Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão. Tiram a fotografia do «grupo dos cinco».
1885: Encontra-se Com Carolina Michaëlis.
1886: Perto do fim do ano recebe a primeira carta de Wilhelm Storck com sonetos seus traduzidos para o alemão.
1887: Em 8 de Maio desloca-se a Ponta Delgada.
1888: Pensa candidatar-se a uma cadeira da projectada Escola Normal Superior.
1889: Columbano pinta-lhe o retrato que se conserva no Museu do Chiado.
1890: Em 11 de Janeiro - Ultimato inglês.
1891: Jantar de despedida, oferecido pelos Vencidos da Vida no Tavares. Em 5 de Junho parte para Ponta Delgada. No dia 11 de Setembro compra um revólver e, às 20 horas, no lado norte do Campo de S. Francisco, suicida-se com dois tiros.
De tudo, o pior mal é ter nascido
É um dia húmido de Novembro. São Miguel está, como quase sempre, sob uma espessa camada de nuvens. Azorian torpor é como os ingleses chamam a esta atmosfera opressiva, obsidiante, que não só atormenta o corpo como parece infiltrar-se e assediar a mente. Na baixa de Ponta Delgada, ao lado da Tabacaria Açoriana, fica a loja de quinquilharias de Benjamim Ferin. Antero entra na loja e cumprimenta o empregado. Está calmo, tranquilo. Pergunta se tem revólveres à venda. O empregado olha-o surpreendido. Antero, sorri:
- Sabe, vou morar para um local longe de vizinhança. Com os ratoneiros que andam por aí, é bom estar prevenido.
- Sem dúvida, senhor doutor. É mais prudente estar prevenido.
E vai buscar as armas que tem para venda. Antero analisa-as uma a uma. Acaba por optar por um revólver Lefaucheux. O empregado ensina-o a carregá-lo.
- Nunca peguei numa arma de fogo...
O homem dá-lhe mais algumas explicações. Quando vai a retirar as balas do tambor, Antero diz-lhe:
- Não, não. Deixe-o assim, já pronto.
O homem obedece, mas avisa de que convém nunca esquecer que a arma está carregada, pronta a disparar. Às vezes há acidentes...
- Esteja descansado. Vou ter todo o cuidado.
Enquanto embrulha o revólver com sucessivas camadas de papel, o empregado pergunta:
- Ouvi contar que o senhor doutor ia para Lisboa?
- Pensei nisso, mas desisti, pois ultimamente tenho passado melhor.
- Ainda bem, senhor doutor. Ainda bem.
Antero tira da algibeira algumas libras que põe sobre o balcão:
- Faça o favor de se pagar. Eu nunca me habituei a fazer dedução de moeda fraca.
Antero sai. Os homens que estão à porta, saúdam-no respeitosamente.
Vai a casa de seu primo, Augusto de Arruda Quental. Quando entra coloca o embrulho sobre uma mesa e, por cima, põe o chapéu. Conversa tranquilamente com o primo. Falam de banalidades. O tempo, a política, coisas da família. Quando Antero se ergue para sair, o primo dá-lhe o chapéu e faz depois menção de lhe entregar também o embrulho. Antero quase grita:
- Não lhe pegues!
Despedem-se.
Metendo pela Rua de S. Brás, encaminha-se a passos lentos para o Campo de São Francisco, uma ampla praça pública de Ponta Delgada. Aí, senta-se num banco, junto do muro do convento da Esperança.. Nesse muro, por cima do banco, um dístico em pedra lavrada mostra a palavra esperança sobreposta a uma âncora. Antero sorri. Esperança e uma âncora que o segurem à vida, eis precisamente o que lhe falta. Olha o largo, com as suas árvores, com as suas simétricas placas redondas de relva, circundando o pequeno coreto implantado no centro. Há pouca gente. Uma senhora passa perto levando pelas mãos duas crianças. À memória ocorre-lhe a imagem de um menino passeando ali, pela mão de seu pai, muitos anos atrás. De tudo, o pior mal é ter nascido, pensa.
A revelação de um mundo novo e superior
Nasci nesta ilha de São Miguel descendente de uma das mais antigas famílias dos seus colonizadores, dirá Antero numa carta autobiográfica. Seu pai, Fernando de Quental foi um dos 7500 liberais que, em 1832, desembarcaram no Mindelo, a norte do Porto e contribuíram para implantar o regime constitucional. O avô paterno, André da Ponte Quental da Câmara e Sousa, destacara-se também pelas suas convicções liberais. Fora amigo de Bocage e com ele partilhara o cárcere. Militara depois na guerrilha contra os invasores franceses. Será, em 1822, signatário da Constituição, como deputado por São Miguel. A mãe de Antero, Ana Guilhermina da Maia, deu-lhe uma educação muito religiosa que irá contribuir para as suas reflexões místicas, mesmo depois de abandonar a religião. Aliás, uma das suas primeiras emoções intelectuais ocorre quando, em 1852, ouve ler a «Ode a Deus», de Alexandre Herculano:
Teria os meus dez anos, quando pela primeira vez, a ouvi recitar a um bom padre, que me ensinava rudimentos de gramática latina. Não ouso dizer que tivesse entendido. E, no entanto, profunda foi a impressão que recebi, como a revelação dum mundo novo e superior, a revelação do ideal religioso. Escapava-me o sentido de muitos conceitos, a significação de muitas palavras: mas, pelo tom geral de sublimidade, pela tensão constante de um sentimento grande e simples, aqueles versos revolviam-me, traziam-se lágrimas aos olhos, como se me introduzissem, embalado numa onda de poderosa harmonia, na região das coisas transcendentes...[i]
Em 1847 aprende francês com António Feliciano de Castilho, o poeta cego, figura de proa do romantismo, que, entre esse ano e 1850, reside em Ponta Delgada, provocando uma autêntica revolução cultural entre a sociedade da cidade. L'Ami des Enfants, de Bergier, é o livro de leitura de Antero. Em 1849, compra A Felicidade pela Agricultura, de Castilho, um dos primeiros livros da sua biblioteca. Frequenta o Liceu Açoriano, uma escola particular. Em 1850, recebe lições de inglês com Mr. Rendall. Em Agosto de 1852 vem para Lisboa com sua mãe onde frequenta o Colégio do Pórtico, de que é director o seu já conhecido Castilho. Mais tarde, escreverá ao seu velho mestre: V.Ex.a. aturou-me em tempos no seu Colégio do Pórtico, tinha eu ainda dez anos, e confesso que devo à sua muita paciência o pouco francês que ainda hoje sei. [ii] No ano seguinte, regressa a Ponta Delgada com seu pai e ali, em 1855, concluirá os estudos primários no Liceu da cidade. Em Outubro, de novo em Lisboa, estuda na Escola Académica. Em 1856, é aluno interno no Colégio de S. Bento, em Coimbra, junto aos arcos do Jardim Botânico. Até 1858, concluirá os estudos preparatórios para o ingresso na Universidade de Coimbra. Escreve os primeiros versos. Em Setembro matricula-se no primeiro ano do curso de Direito.
Coimbra: a revolução intelectual e moral
O facto mais importante da minha vida durante aqueles anos, e provavelmente o mais decisivo dela, foi a espécie de revolução intelectual e moral que em mim se deu, ao sair, pobre criança arrancada ao viver quase patriarcal de uma província remota e imersa no seu plácido sono histórico, para o meio da irrespeitosa agitação intelectual de um centro, onde mais ou menos vinham repercutir-se as encontradas correntes do espírito moderno. Varrida num instante toda a minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e incerteza, tanto mais pungentes quanto, espírito naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida. Achei-me sem direcção, estado terrível de espírito, partilhado mais ou menos por quase todos os da minha geração, a primeira em Portugal que saiu decididamente e conscientemente da velha estrada da tradição. Se a isto se juntar a imaginação ardente, com que em excesso me dotara a natureza, o acordar das paixões amorosas próprias da primeira mocidade, a turbulência e a petulância, os fogachos e os abatimentos de um temperamento meridional, muito boa fé e boa vontade, mas muita falta de paciência e método, ficará feito o quadro das qualidades com que, aos dezoito anos penetrei no grande mundo do pensamento e da poesia.
Antero não é um estudante brilhante, mas vai avançando no seu curso, que terminará no ano lectivo de 1863-64. Entretanto, irá conhecendo os irmãos José e Alberto Sampaio, António de Azevedo, Germano Meireles, cuja amizade o acompanhará toda a vida. É deste período que datam os poemas que irá reunir em Primaveras Românticas, «Versos dos vinte anos», como lhes chamará em subtítulo:
Somente amor... Somente?! é pouco esta palavra?
Duas sílabas só - em pouco um mundo está –
Loucos! mas, quando o amor se expande, e cresce, e lavra,
Bem como incêndio a arder, tão pouco inda será?
Em Maio de 1862, recita no Teatro Académico, perante Castilho, as estrofes «À História» com que iniciará a 1ª edição das Odes Modernas. Castilho diz a Filipe de Quental, lente de Medicina e tio de Antero: «Seu sobrinho é um poeta de génio».
Finalmente, em 2 de Julho de 1864, conclui a formatura: A Fatalidade que me persegue com tenacidade verdadeiramente paternal, não me quis poupar - não quis deixar sem coroa este templo de sandice e ridículo chamado formatura; não lhe tremeu a mão adunca e férrea escrevendo no livro-caixa do Fado esta sibilina palavra BACHAREL!!! E sou Bacharel!!! E Bacharel nemine-discrepante!! E não houve um R justiceiro, um R honesto e conscencioso que protestasse, levantando no ar com terrível assovio, o seu rabo de serpente, não houve R - um só - que protestasse contra essa sentença fatal, que assim condena um inocente cábula a arrastar perpetuamente, qual rocha de sísifo, essa grilheta de uma carta de Bacharel em Direito!! Nemine-Discrepante!!!
Sabeis vós o que é um nemine discrepante? É trocar a sua coroa de poeta, pelo círculo de sebo da borla doutoral dum Neiva! É ler no horizonte da vida, em vez do poema de oiro das aspirações embalsamadas, a letra gorda e enchundeada duma sempiterna Sebenal!! É escambar (!) a púrpura brilhante das aspirações sublimes, pela albarda, vermelha da vermelhidão das digestões felizes, o capelo de Doutor! É ter por alma um sofisma, por vida um à-contrário-sensu, por templo santo a audiência, por culto a Deus e tudo a Ordenação do Reino!! Este trecho duma meditação que actualmente componho em estilo Oriente, e em que trabalho debaixo da salutar influência da sombra do Neiva, vos dará ideia do estado moral do vosso Antero (o Bacharel) [iii]
A "Questão Coimbrã"
Em 1865, depois de uma viagem a São Miguel, Antero regressa a Coimbra. Em Setembro desse ano, Castilho escreve ao editor António Maria Pereira uma carta, que será publicada como posfácio do Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas. Nela, o velho poeta discute poemas de Antero de Quental, Teófilo Braga e Vieira de Castro, ironizando particularmente sobre as Odes Modernas e sobre dois poemas de Epopeia da Humanidade, de Teófilo Braga. Antero resolve descer à liça e contestar ao seu velho mestre o direito de se arvorar em árbitro das letras nacionais - faz publicar uma carta-aberta a Castilho, Bom-senso e Bom-gosto, onde, exaltadamente, se insurge contra o desdém de Castilho relativamente à nova geração de poetas. E desencadeia-se a que é talvez a mais famosa polémica literária portuguesa, conhecida por Questão Coimbrã ou Questão do Bom Senso e Bom Gosto: A famosa Questão Literária ou Questão de Coimbra, que durante mais de seis meses agitou o nosso pequeno mundo literário e foi o ponto de partida da actual evolução da literatura portuguesa. Os novos datam todos de então. O Hegelianismo dos coimbrões fez explosão. O velho Castilho, o Arcade póstumo, como então lhe chamara, viu a geração nova insurgir-se contra a sua chefatura anacrónica. Houve em tudo isto muita irreverência e muito excesso, mas é certo que Castilho, artista primoroso mas totalmente destituído de ideia, não podia presidir, como pretendia, a uma geração ardente que surgia, e antes de tudo aspirava a uma nova direcção, a orientar-se como depois se disse, nas correntes do espírito da época. Havia na mocidade uma grande fermentação intelectual, confusa, desordenada, mas fecunda. Castilho, que a não compreendia, julgou poder suprimi-la com processos de velho pedagogo. [iv]
Em Dezembro, Antero publica ainda um folheto sobre o mesmo tema, A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, texto doutrinariamente mais denso do que a carta, e no qual responsabiliza a literatura pelo destino do povo português.
É neste conturbado período que pensa alistar-se no exército de Garibaldi. Desafia o seu amigo António de Azevedo Castelo-Branco: Tens naturalmente lido os jornais. Sabes do que vai por Itália e dos alistamentos de voluntários Garibaldinos. Creio ser para nós uma boa ocasião de sairmos do absurdo sopa-vaca e arroz da vida ordinária. Queres ir? Un bel morir tutta la vita onora... [v]
No início de 1866, Ramalho Ortigão sai em defesa de Castilho com o folheto A Literatura de Hoje. Acusa Antero de cobardia, pois este invocara como argumentos a velhice e a cegueira do poeta: O caso era cómico e não trágico. Ramalho Ortigão escreveu insolências bastante indignas a meu respeito num folheto a propósito da sempiterna questão Castilho. Eu vim ao Porto para lhe dar porrada. Encontrei, porém, o Camilo o qual me disse que adivinhava o motivo da viagem e que antes das vias de facto, ele iria falar com o homem para ele dar satisfação. Aceitei. A explicação, porém, do dito homem pareceu-me insuficiente e dispunha-me a correr as eventualidades da bofetada quando me veio dizer o Camilo que o homem se louvava em C.J.Vieira e Antero Albano com plenos poderes de decidir a coisa e que fizesse eu o mesmo em dois amigos meus; na certeza de que uns e outros seriam considerados padrinhos de um duelo (!) no caso de se não entenderem a bem... Que can-can! [vi]
No duelo, em 4 de Fevereiro, logo no primeiro assalto, Antero fere Ramalho num braço. A luta termina, as honras estão lavadas. Os dois escritores reconciliam-se. Diz Camilo: Em 1866 na belicosa cidade do Porto, defrontaram-se de espada nua dois escritores portugueses de muitas excelências literárias e grande pundonor. Correu algum sangue. Deu-se por entretida a curiosidade pública e satisfeita a honra convencional dos combatentes. Alguns dias volvidos ia eu de passeio na estrada de Braga e levava comigo a honrosa companhia de um cavalheiro que lustra entre os mais grados das províncias do Norte. No sítio da Mãe-de-Água apontei a direcção de um plano encoberto pelos pinhais e disse ao meu companheiro: Foi ali que há dias a «Crítica Portuguesa» esgrimiu com o «Ideal Alemão»! [vii]
Desassossego
No mês seguinte, em 15 de Março, embarca no vapor Leal para São Miguel. Está inquieto: Estou efectivamente desassossegado e muito; mas como não estar? Cada vez mais o falso da minha posição nesta terra lusitana. Não me entendo com os homens e com as coisas; apenas com o céu e com os montes, mas isto não é suficiente. [viii] Para onde irei? Ignoro; talvez daqui até lá, indague dum emprego para a Índia, para Goa ou Macau, países onde a vida moderna não deve ostentar-se em muito excessivo luxo de seu vermelho sangue burguês e gordura de banalidade, como acontece nesta Europa soesmente comodista, esta Cartago sem Moloch - mas com muitos mercenários. [ix] Tenho pena de não ter achado aqui o silêncio e a despreocupação que esperava e ansiava... Se eu tivesse achado um ermitério de S. Columbano, uma ilha - no mar - ah! mas bem no mar! Assim o julguei e desejo ainda. [x]
Em 1 de Junho regressa a Lisboa. Vai residir na Travessa de Santo António, à Alegria. Nesse Verão, resolve ir trabalhar como tipógrafo para a Imprensa Nacional: Há oito dias que entrei para a Imprensa Nacional e como me sinto cada vez mais resolvido a continuar neste caminho (que, quando não tivesse mais razões por si, tinha esta triunfante de ser único).[xi]
Mas, afinal, havia outros caminhos. Antero resolve ir fazer uma «experiência proletária» em Paris. A experiência esgota-se em Janeiro e Fevereiro de 1867. Matricula-se no Colégio de França. Mas em breve se satura de Paris: Se pudesse saía amanhã mesmo de Paris. Que me importa a Exposição? Assistir às grandes loucuras do século, faz bem a alguém, enche a vida? Não! Antes de ontem saí no meio de um curso no Colégio de França. [xii]
O seu estado de saúde obriga-o a vir a Portugal descansar durante três meses. No final da Primavera volta a Paris. Visita Michelet a quem oferece um exemplar das Odes Modernas.
Regressa a Portugal e, em 14 de Agosto, embarca no lugre Gil para Ponta Delgada. Na Primavera acalenta mais um projecto guerreiro: A vida activa também me seduz a mim, e muito. É mesmo nesse sentido que pude formar o único plano resistente e que dura há meses já. Por ser extravagante nem por isso deixa de ser óptimo. É ir assentar praça de voluntário nos Zuavos Pontifícios, em Roma. (...) Que humorismo profundo em todos os contrastes de uma tal vida! Ateus a manterem guarda ao Vaticano! Socialistas a defenderem o poder temporal do Papa! [xiii]
Permanece em São Miguel até Outubro. Quando regressa a Lisboa, triunfa em Espanha a revolução. É contactado por revolucionários espanhóis que o aliciam para a causa do iberismo. Projecta ir trabalhar num jornal em Madrid. Em Novembro publica: Portugal Perante a Revolução de Espanha - Considerações sobre o Futuro da Política Portuguesa no Ponto de Vista da Democracia Ibérica.
Em Julho de 1869 faz uma viagem aos Estados Unidos no barco de um amigo. A confederação federalista entusiasma-o, como possível modelo para a confederação iberista. Visita Halifax e Nova Iorque, onde estuda as questões sociais relacionadas com o proletariado norte-americano. Regressa em Novembro. Essa viagem é descrita por António Arroio no folheto A Viagem de Antero do Quental à América do Norte.
Se em Portugal houvesse oito ou dez Oliveira Martins...
Em Novembro de 1869, na Travessa do Guarda-Mor, em Lisboa, constitui-se o Cenáculo, grupo de intelectuais de que fazem parte, além de Antero, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Anselmo de Andrade, Carlos Mayer, João de Deus, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga, Santos Valente, Alberto Teles, Lobo de Moura, Augusto Fuschini, Mariano e Francisco Machado de Faria e Maia, António e Augusto Machado, José Tedeschi, etc. Está agora a residir em S. Pedro de Alcântara. Uma paixão amorosa frustrada, leva-o a procurar fora da capital alguma tranquilidade. É numa das suas deambulações que visita, em Outubro, Oliveira Martins, que está como engenheiro de minas em Santa Eufemia, em Espanha. O encontro com o autor de História da Civilização Ibérica, provoca-lhe uma profunda impressão: Se Portugal de hoje, assim como produziu um homem daqueles, tivesse produzido oito ou dez, ainda se salvava. Verdade é que, se Portugal, nesta geração, tivesse tido forças para produzir oito ou dez homens como Oliveira Martins, não precisava de quem o salvasse, porque esse facto só por si era o indício da força e fecundidade de espírito nacional, da sua vitalidade e saúde perfeita.[xiv]
Estuda alemão até conseguir ler na língua original Goethe, Heine e outros autores germânicos: Traduzo o Fausto de Goethe, do alemão para versos portugueses, coisa que muito me distrai.[xv]
Mas o tédio e o desassossego, a doença, não o abandonam. No começo de 1871 escreve a um amigo de São Miguel: De plano em plano, e de desejo em desejo, vou descendo lentamente a espiral dos desenganos.
As Conferências do Casino
Em 1871, a 22 de Maio, são abertas as Conferências do Casino, que o grupo do Cenáculo, orientado por Antero, promovem. Anima-as um substracto republicano, iberista, realista, proudhoniano. Realizam-se no Casino Lisbonense e Antero pronuncia a conferência e uma outra, no dia 27: Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos. Eça de Queirós desenvolve o tema O Realismo como Nova Expressão de Arte. Salomão Sáragga, especialista em hebraísmo, quando se preparava para proferir a sua lição sobre Os Historiadores Críticos de Jesus, o governo manda, em 26 de Junho, encerrar as Conferências, alegando que constituem uma ofensa à religião e às instituições do Estado. Os protestos irrompem de diversos sectores. Antero escreve e publica, em 30 de Junho, ao presidente do Conselho de Ministros: A Portaria com que V.Ex.a. mandou fechar a sala das Conferências Democráticas, é um acto não só contrário à lei e ao espírito da época, mas sobretudo atentório da liberdade do pensamento, da liberdade da palavra, e da palavra de reunião, isto é, daqueles sagrados direitos sem os quais não há sociedade humana, verdadeira sociedade humana, no sentido ideal, justo, eterno da palavra. Pode haver sem eles aglomeração de corpos inertes: não há associação de consciências livres. Ex.mo. Sr.: nem eu nem V.Ex.a. passaremos à história: e muito menos as ineptas portarias que V.Ex.a. faz assinar a um rei sonâmbulo. Mas supondo por um momento que alguma destas coisas possa passar ao século XX, folgo de deixar aos vindouros com este escrito a certeza duma coisa: que em 1871 houve em Portugal um ministro que fez uma acção má e tola, e um homem que teve a franqueza caridosa de lho dizer. [xvi]
Inclusivamente, Alexandre Herculano, liberal católico, com a sua inquestionável autoridade, vem associar-se aos protestos. O governo cai.
Em Fevereiro de 1872, publica Primaveras Românticas: As Primaveras Românticas contêm os meus Juvenilia, as poesias de amor e fantasia, compostas na sua quase totalidade, entre 1860 e 65, que andavam dispersas por várias publicações periódicas e que só em 72 reuni em volume juntamente com mais alguma coisa do mesmo carácter e estilo. Mora agora na Rua dos Douradores.
Em 7 de Março de 1873 morre seu pai e Antero torna-se proprietário rural. Mantém, com Oliveira Martins, uma polémica sobre o papel progressivo que o Cristianismo e a Idade Média terão tido como transição transcendalista necessária entre o «naturalismo» helénico e o seu ideal imanentista. Projecta a constituição de um novo partido, a União Democrática: Assentámos pois em nos constituirmos como partido fechado, com programa definido e gente escolhida, reservando-nos a liberdade de, em dados casos, nos aliarmos com este ou com aquele dos partidos republicanos e radical que estão em vias de formação. (...) O que é necessário é criar um elemento revolucionário sério, fora do exclusivo movimento operário, estreito, sem capacidade de converter ninguém, além de ser assustador para a massa burguesa. [xvii]
A bela luz da vida, ampla infinita, só vê com tédio, em tudo quanto fita, a ilusão e o vazio universais
Faz diversas viagens aos Açores. Em Julho vai a Angra do Heroísmo para consultar um médico homeopata. Em Setembro regressa a Lisboa e consulta dois médicos: Sousa Martins e Curry Cabral. Diz numa carta a um amigo: Em 1874 adoeci gravissimamente, com uma doença nervosa de que nunca mais pude restabelecer-me completamente. A forçada inacção, a perspectiva da morte vizinha, a ruína de muitos projectos ambiciosos e uma certa acuidade de sentimentos, própria da nevrose, puseram-me novamente e mais imperiosamente do que nunca, em face do grande problema da existência. A minha antiga vida pareceu-me vã e a existência em geral incompreensível.
No entanto, vai trabalhando nos seus sonetos. Em Maio de 1875, publica a 2ª edição de Odes Modernas, com algumas composições inéditas. Em 1876, toma contacto com a filosofia pessimista do inconsciente panteísta de Karl-Robert-Eduard von Hartmann, que muito o irá influenciar. Depois de aspirar ao Nirvana budista, procura uma consolação através da filosofia estóica: Abençoada doença se fizer de mim o homem impassível dos Estóicos, o santo de Marco Aurélio. Não digo isto brincando, e para mim, o livro das Máximas de Epicteto é um dos livros mais sérios que têm sido escritos. (...) A Fé não é só património do cristão; há também a Fé da Filosofia idealista, que pelos menos é tão boa. [xviii]
Em 28 de Novembro, sua mãe morre: Acabo de receber um dos maiores golpes que podia receber. Morreu minha Mãe. V. sabe o que é ser filósofo, mas sabe também o que é ser filho. Diga-me duas palavras das suas, fortes e boas. Eu sei o que há a dizer a mim mesmo, mas far-me-á bem que mo diga V. Eu estou muito sereno e conformado e aplicando à minha situação os dogmas da nossa comum religião. Mas isto não impede que esteja triste. [xix]
Em 1877, vai a Paris consultar Charcot e tenta uma cura hidroterápica em Bellevue. Aqui, apaixona-se por uma aristocrata francesa. O fracasso amoroso quase o leva ao suicídio. No ano seguinte tenta uma nova cura em Bellevue, mas sem sucesso. Em Fevereiro de 1878, envia a Batalha Reis o seu soneto «Nirvana», que dedicará a Guerra Junqueiro:
Para além do Universo luminoso
Cheio de formas, de rumor, de lida,
De forças, de desejos e de vida,
Abre-se como um vácuo tenebroso.
A onda desse mar tumultuoso
Vem ali expirar, esmaecida...
Numa imobilidade indefinida
Termina aí o ser, inerte, ocioso...
E quando o pensamento, assim absorto,
Emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar as coisas naturais,
A bela luz da vida, ampla, infinita,
Só vê com tédio, em tudo quanto fita,
A ilusão e o vazio universais.
Em 1878 é convidado a candidatar-se como deputado republicano socialista pelo círculo de Alcântara. Recusa: Saberás que vim encontrar aqui a minha candidatura pelo círculo de Alcântara, lançada por uns centros republicanos que não sei bem o que são. Hoje vieram uns oficiosos falar-me nisso: declarei recusar tal candidatura e ameacei-os com uma recusa pública nos jornais se insistirem. Eis o que é a popularidade! Estou mais do que farto de representar este ridículo papel de mito e il faut que ça finisse. [xx]
A doença não o abandona. Volta a consultar Sousa Martins: Eu vou indo, não já tão bem como quando cheguei, mas não inteiramente mal. O Sousa Martins ouviu-me, apalpou-me e concluiu que nada podia concluir e que isto lhe parecia mais complicado do que julgara a princípio. [xxi]
O Centenário de Camões
Em 1880 instala-se em Lisboa e adopta as duas filhas do seu amigo íntimo, Germano Meireles, que falecera em Dezembro de 1877. Albertina e Beatriz e a mãe passam a viver com Antero. Instala-se na Calçada de Santa Ana: Fui tão feliz que ontem mesmo achei casa que me convém e a aluguei. É aqui mesmo ao lado da minha irmã, um 3º andar claro e bem arejado. Agora vou tratar de o montar, como aqui se diz, o que ainda levará algum tempo, porque eu faço tudo lentamente e tenho de comprar, a bem dizer, tudo.[xxii]
Preparam-se as comemorações do 3º Centenário da morte de Camões. Antero escreve um violento artigo contra o aproveitamento político da efeméride («Centenários e Centenaristas»). Depois destrói-o. Mas, em cartas, comenta: Esquecia-me dizer-lhe que a grande comissão dos literatos, depois de grave meditar, resolveu celebrar o centenário com uma procissão! Isto é curioso, até no ponto de vista biológico, porque mostra o poder do atavismo. Aos netos dos frades que lhes há-de lembrar senão procissões? A ideia, dizem, partiu do Ramalho, que a apresentou naturalmente como toda moderna e positiva. Notável caso de «regressão morfológica!» O Ramalho, cuidando ir adiante do século, reproduz simplesmente o avô, que era da Ordem dos Terceiros! [xxiii]
A burguesia portuguesa pode por ostentação, levantar uma estátua a Luís de Camões, mas o povo português, esse não sabe soletrar o título do poema que o poeta consagrou às suas glórias .[xxiv]
No primeiro trimestre de 1881, publica-se no Porto uma colectânea com 28 sonetos de Antero, coligidos por Joaquim de Araújo: A edição dos Sonetos pareceu-nos muito bem e o melhor possível. Elegante e fina sem pretensão. Digo nós, porque esta foi também a opinião do João a quem mandei um exemplar. [xxv]
Em Setembro desse ano vai, com as suas pupilas, viver para Vila do Conde: Fixei actualmente a minha residência em Vila do Conde, terrazinha antiga, plácida e campestre, muito ao sabor dos meus humores de solitário. Vivo aqui como um verdadeiro ermita. [xxvi]
Eu aqui consigo fazer uma coisa rara, prodigiosa: dormir. Faço-o como se fosse a coisa mais natural deste mundo! Veja se não hei-de considerar esta terra, além de maravilhosa, salvadora. [xxvii]
«Chegando ao Porto», diz Eça de Queirós, «e correndo com Oliveira Martins a Vila do Conde, avistei na estação um Antero gordo, róseo, reflorido, com as lapelas do casaco de alpaca atiradas para trás galhardamente, e meneando na mão a grossa bengala da Índia que em Lisboa eu lhe dera para amparar a tristeza e a fadiga.» [xxviii]
Aliás, os quase dez anos que Antero irá viver em Vila do Conde, com pequenos intervalos nos Açores e em Lisboa, serão talvez os mais plácidos ou, se se preferir, os menos atormentados da sua vida: Aqui as praias são amplas e belas, e por elas me passeio ou me estendo ao sol com a voluptuosidade que só conhecem os poetas e os lagartos adoradores da luz. [xxix]
Em Agosto de 1882, escreve a sua irmã: Vai vagar a Comarca da Póvoa do Varzim, e o Lobo de Moura pretende ser para ali transferido. Imagina como vai ser bom para mim ficarmos assim vizinhos. Com o Lobo de Moura na Póvoa, o Oliveira Martins no Porto e o Alberto Sampaio em Famalicão, fico literalmente rodeado de amigos. [xxx]
Em 1884, confidencia a Joaquim de Araújo: A minha vida ocorre sem incidentes, quer internos, quer externos. Tenho envelhecido voluntariamente, o que é uma grande coisa. V. fala-me de desilusões. Doa-se, como é natural, mas não as maldiga. As desilusões são a sabedoria que vem ter connosco disfarçada em carrasco. Mais tarde é que se conhece isso. [xxxi]
Em 1885, apoia a adesão de Oliveira Martins ao Partido Progressista (monárquico). Em Março escreve os seus dois últimos sonetos, «Com a Morte» e «O Que Diz a Morte».
Em meados do ano, a mãe das suas protegidas morre, e Antero interna-as no Colégio das Doroteias, no Porto.
Em 1886 são publicados os Sonetos Completos, coligidos e prefaciados por Oliveira Martins. Antero evolui agora de mais uma fase pessimista para um misticismo que explica no folheto «A Filosofia da Natureza» dos Naturalistas: Entro agora numa fase nova, e tenho jurado consagrar-me daqui em diante, todo e exclusivamente, ao trabalho de coordenação definitiva das minhas ideias filosóficas e, se tanto puder, à exposição metódica e rigorosa das mesmas. [xxxii]
Em Março de 1887, vai novamente aos Açores: Tive um certo prazer em tornar a ver a minha terra, ainda que não sei porquê, e talvez só por instinto, pois deve haver uma relação profunda entre o homem e a terra em que nasceu e se criou. [xxxiii] (...) Tem-me agradado esta terra e foi até com certo prazer que ontem me achei a passear no campo de S. Francisco. [xxxiv] É durante esta breve estada que tira, no fotógrafo Raposo, da Rua da Esperança, em Ponta Delgada a sua fotografia preferida: Aí te envio um exemplar da única boa fotografia que tenho... Preferiria não andar gravado nos papéis. Mas, uma vez que já não o posso evitar, aí vai ao menos uma efígie autêntica. [xxxv] Em Outubro regressa a Vila do Conde. É publicada a tradução alemã dos Sonetos.
Em 1889, Columbano Bordalo Pinheiro pinta-lhe o retrato que faz parte da colecção do Museu do Chiado. Diz Columbano: «...Estou a vê-lo com os seus olhos muito azuis e as barbas loiras. Vestia bem, sem afectação e sobriamente... Era calmo, delicado, afável, nenhuma tragédia transparecia na sua maneira quase alegre». Diz Antero: Está muito bem como pintura, mas idealizado, como todas as composições desse pintor neo-vellazquiano, no sentido do fantástico e do tenebroso. [xxxvi]
Começa a escrever o texto filosófico destinado à Revista de Portugal, dirigida por Eça de Queirós: Para mostrar o meu afecto ao nosso Queirós, comecei a escrever com destino à Revista, um artigo sobre as tendências gerais da filosofia na actualidade, coisa sumária; mas o assunto apossou-se de mim, passou a ser quase outra coisa o trabalho, e no fim de três meses acho-me tendo produzido um estudo, que na Revista dará três ou quatro artigos, e que depois, ampliado, será um livro. [xxxvii] Sobre o assunto, diz Eça de Queirós: «Como sabes, o nosso Antero ressurgiu para a vida activa, através da filosofia. Temos dele um primeiro artigo neste número da Revista - que sairá, não sei quando, mas ainda neste século. É extraordinário. Está todo o original na imprensa desde o fim do mês passado!» [xxxviii]
Em 1890, em face da violenta reacção nacional ao humilhante Ultimato inglês de 11 de Janeiro, Antero aceita a presidência da Liga Patriótica do Norte, com existência efémera: Declamar contra a Inglaterra é fácil, emendarmos os gravíssimos defeitos da nossa vida nacional será mais difícil, mas só essa desforra será honrosa, só ela salvadora. Portugal ou se reformará política, intelectual e moralmente ou deixará de existir. Mas a reforma, para ser fecunda, deve partir de dentro e do mais fundo do nosso ser colectivo: deve ser antes de tudo, uma reforma dos sentimentos e dos costumes. [xxxix]
Em princípios de Maio de 1891, deixa Vila do Conde e vem instalar-se na casa de sua irmã Ana de Quental, em Lisboa. Os Vencidos da Vida oferecem-lhe um jantar de despedida no restaurante Tavares. A 5 de Junho, no vapor Açor, parte para Ponta Delgada, hospedando-se no Hotel Brown, alugando depois uma casa no lugar de S. Gonçalo, nos arredores de Ponta Delgada: Encontrei mais cedo do que supunha casa que me convém, estou-a arranjando e espero dentro de um mês ter tudo pronto para receber a minha gentinha. Minha irmã, a quem receitam ares pátrios, acompanha as pequenas e passará aqui dois ou três meses. É pois, como vê, oiro sobre azul. [xl]
Mas no fim de Agosto já diz: Começo a acreditar que não andei bem avisado em vir estabelecer-me em São Miguel. [xli]
É que a sua antiga doença tem vindo a agravar-se. Para piorar as coisas, tem uma desinteligência com sua irmã por causa das pupilas. No auge da discussão com Ana de Quental, Antero exclama: Isto ainda acaba com uma corda na garganta ou uma bala na cabeça! No dia 10 de Novembro vai entregar as duas jovens a uma família a quem confia a sua educação. As despedidas deixam-no vivamente emocionado, transtornado mesmo. No dia seguinte, é um dia húmido de Novembro. São Miguel está, como quase sempre, sob uma espessa camada de nuvens...
Descansa-se!... se no tédio doloroso de nós mesmos encontramos a força para nos sumirmos
Ao som de dois tiros, acorrem militares do quartel de Caçadores 11. Caído de lado sobre o banco, com o rosto ensanguentado Antero agoniza. O Dr. Jacinto Júlio de Sousa, cirurgião-mor do regimento e o Dr. Mont'Alverne de Sequeira, reputado médico da cidade, chegam logo após. No hospital, situado ali mesmo na praça, tentam tudo para o salvar, mas após uma hora de horrorosa agonia que finaliza pelo derramamento cerebral, Antero morre. Descansa-se!... se no tédio doloroso de nós mesmos encontramos a força para nos sumirmos, diz Antero a Oliveira Martins e a Vasconcelos Abreu, poucos dias antes de partir de Lisboa para Ponta Delgada. No seu doloroso tédio, Antero de Quental encontra a força e o alento para fugir, para se sumir, para descansar enfim.
O que diz a morte
«Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem...

Em mim, os Sofrimentos que não saram,
Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem.» -

Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das coisas invisíveis, muda e fria,
É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.
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[i] Prefácio ao Tesouro Poético da Infância.
[ii] Bom-senso e Bom-gosto, 1865, Carta ao Excelentíssimo Senhor António Feliciano de Castilho.
[iii] Carta a José e Alberto Sampaio, 1863.
[iv] Carta autobiográfica de Antero.
[v] Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, Dezembro de 1865.
[vi] Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, Janeiro de 1866.
[vii] Camilo Castelo Branco, in A Doida do Candal.
[viii] Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, Fevereiro de 1866.
[ix] Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, 13 de Março de 1866.
[x] Carta a Germano Meireles, maio de 1866.
[xi] Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, Junho de 1866.
[xii] Carta a Alberto Sampaio, finais de Dezembro de 1866.
[xiii] Carta a Alberto Sampaio, Ponta Delgada, Verão de 1868.
[xiv] Carta a Carlos Cirino Machado, 15 de Dezembro de 1881.
[xv] Carta a Francisco Machado de Faria e Maia, princípios de 1871.
[xvi] Carta ao Marquês de Ávila e Bolama.
[xvii] Carta Oliveira Martins, inícios de 1873.
[xviii] Carta a Germano Meireles, finais de 1875.
[xix] Carta a Oliveira Martins, 28 de Novembro de 1876.
[xx] Carta a Alberto Sampaio, 10 de Outubro de 1878.
[xxi] Carta a Oliveira Martins, 17 de Outubro de 1878.
[xxii] Carta a Alberto Sampaio, Dezembro de 1879.
[xxiii] Carta a Oliveira Martins, Primavera de 1880.
[xxiv] in Portugal Perante a Revolução de Espanha, 1868.
[xxv] Carta a Joaquim de Araújo, 1881.
[xxvi] Carta a João Machado de Faria e Maia, Janeiro de 1882.
[xxvii] Carta a Jaime Batalha reis, finais de 1881.
[xxviii] Eça de Queirós, in Um Génio que era um Santo.
[xxix] Carta a João de Deus, 13 de Janeiro de 1882.
[xxx] Carta a Ana de Quental, 3 de Agosto de 1882.
[xxxi] Carta a Joaquim de Araújo, 11 de Outubro de 1884.
[xxxii] Carta a Carolina Michaëlis, 7 de Junho de 1886.
[xxxiii] Carta a Oliveira Martins, 15 de Março de 1887.
[xxxiv] Carta a Ana de Quental, 12 de Março de 1887.
[xxxv] Carta a Alberto Teles, Maio de 1890.
[xxxvi] Carta a Alberto Bessa, 8 de Maio de 1890.
[xxxvii] Carta a Oliveira Martins, finais de 1889.
[xxxviii] Carta de Eça de Queirós a Oliveira Martins, 28 de Janeiro de 1890.
[xxxix] in «Expiação», A Província, 26 de Janeiro de 1890.
[xl] Carta a Gustavo Barbosa, 30 de Junho de 1891.[xli] Carta a Joaquim de Araújo, 30 de Agosto de 1891.

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