sexta-feira, março 27, 2009

«A Antiga Alfândega da Madeira» - ALRAM

Entre as várias culturas ensaiadas na Madeira, a açucareira depressa atingiu um apreciável interesse económico e atraiu para a Ilha vários comerciantes internacionais. Este aspecto e a reformulação do foral da alfândega de Lisboa, com a obrigação de direitos de entrada por parte dos produtos dos "vizinhos das Ilhas", levou a que a infanta D. Beatriz, então administradora da Ordem de Cristo, por carta de 15 de Março de 1477, determinasse a criação de postos alfandegários. A alfândega de Lisboa tinha foral desde as épocas de D. Dinis e de D. Fernando, mas com o aumento do tráfico ultramarino do início da época dos descobrimentos, encontrava-se ultrapassado. Teve então novo foral datado de 20 de Junho de 1463 e assinado por D. Afonso V. A criação e instalação dos postos alfandegários na Madeira foram entregues ao contador Luís Álvares de Atouguia, com os poderes e instruções necessários para arrendar uma casa apropriada no Funchal e ali organizar os seus serviços. Alugou então umas casas no fim da rua Direita, virada ao largo principal da vila e para onde o filho da Infanta, o duque D. Manuel, em 1486, enviou um pelourinho. Nestas casas, talvez ao mesmo tempo, teria funcionado também a feitoria dos alemães.

Luís Álvares de Atouguia deve ter começado logo a trabalhar, incorporando no seu serviço o almoxarife da Ilha, os chamados quatro Homens Del-Rei, e recebeu depois o apoio de funcionários enviados do continente. Em Janeiro de 1483 foram enviados pelo duque D. Diogo, o escudeiro João Vaz, como recebedor, e o fidalgo Gomes Martins, como escrivão do almoxarifado. Foi então escrito aos guardas da Ilha que deixassem entrar estes novos funcionários, especificamente, a João Gomes, o trovador e a Luís Álvares, "que agora e por especial mandato da Infanta minha senhora e mãe, tendes o cargo de Guardas na minha ilha da Madeira". Ao longo deste ano de 1483, ocorreram várias alterações na organização dos poderes na Ilha, alguns dos quais a pedido da câmara do Funchal. Assim passou a Câmara a eleger e nomear os juizes e alcaides para a periferia, e passaram os ofícios a terem representação na procissão do Corpo de Deus, à semelhança do que se fazia em Lisboa. Igualmente no final desse ano, passaram a ter assento na Câmara dois procuradores dos vinte e quatro mesteres, com a função "de procurar pelo povo miúdo e estarem e ir por parte do povo às vereações que se fazem". Mais uma vez se referia, que tal deveria ser feito como se fazia em Lisboa. Alguns anos depois, assumiu a direcção da Ordem de Cristo o duque D. Manuel, filho de D. Beatriz que, por morte de D. João II, em 1494, também assumiu o trono de Portugal. A produção açucareira continuava a subir e com ela a atenção para tudo o que dissesse respeito à Madeira. Ainda como Duque, uma das principais preocupações de D. Manuel foi diferenciar as atribuições do capitão e do concelho, delimitando-as perfeitamente. Assim, em 1487, definiu, uma vez mais, a competência judicial do capitão, ficando este proibido de julgar os assuntos respeitantes às alcaidarias, que passaram para o pelouro do almoxarife. No ano seguinte, nomeou um tabelião do público e judicial, assim como um distribuidor dos Feitos e Notas, ofício que, mais tarde, em 1490, separou. Também em 1492 voltou a legislar sobre as atribuições do capitão, do concelho e do almoxarife. Sendo ainda duque, D. Manuel desenvolveu várias medidas tentando instalar uma futura cidade mais a ocidente e para lá da ribeira de Santa Luzia, utilizando para tal o antigo Campo do Duque, onde se tinham efectuado as primeiras experiências do cultivo da cana sacarina. Apareceram, assim, as directivas para a construção dos paços do Concelho e dos Tabeliães, e depois de uma Igreja Grande, que, ainda antes de se encontrar terminada, já se pensava que iria servir de Sé Catedral. Esta Igreja foi planeada numa tal dimensão, que chegou a assustar os próprios moradores e a ter de correr, quase que exclusivamente, pelos dinheiros da fazenda régia. Já rei, D. Manuel destacou para a Madeira pessoal especializado e da sua confiança para a direcção destas obras. Era, em 1494, juiz da alfândega, Francisco Álvares da Costa. Uma das medidas de D. Manuel como rei, em 1497, foi a incorporação da Madeira no património da "Coroa para sempre". Os aspectos económicos passaram assim a merecer por parte do Rei uma muito especial atenção, pelo que foi reformulado o diploma da alfândega do Funchal. Tal como outros diplomas de carácter administrativo e jurídico, também o diploma da alfândega do Funchal veio a servir de modelo para as alfândegas dos Açores e dos demais domínios ultramarinos portugueses. Nesta sequência, em 1515 estava em construção a então Alfândega Nova, sob a direcção do mestre de carpintaria Pero Anes. Teria sido este mestre das obras nas Casas da Alfândega, também o responsável pelos magníficos tectos da Sé do Funchal. A construção teve um certo empolamento, pois D. Manuel, ou já o seu filho D.João III, teriam mostrado um certo interesse em se deslocarem à Madeira para caçar na célebre coutada do Caniço, podendo vir assim a utilizar estas casas para residência temporária. A construção estaria praticamente pronta em 1519, pois em Fevereiro desse ano a câmara do Funchal, em nome do povo, pediu ao Rei que as 1000 arrobas de açúcar cativadas para estas obras, passassem a apoiar a construção das obras da Misericórdia. Por outro lado, estaria já a funcionar a 18 de Maio de 1557, pois nessa data venderam-se "as casas do mestre Gabriel, que ora São de Duarte Rodrigues, foreiras à fábrica da Sé, sitas na rua Direita, que vão ter ao mar e foram a Alfândega Velha". O novo conjunto era constituído por uma grande Sala de Despacho, no piso térreo, com arcarias de sabor gótico e com capitéis esculpidos. Abria para o mar através de três arcos góticos. O piso superior, mais compartimentado, era coberto com tectos de alfarge, ao gosto mudejar. Mereceu um especial destaque a Sala dos Contos, coberta com um importante tecto mudejar e aberta para o mar com uma excepcional janela de mais de quatro metros de altura. Esta janela, ou portal, devia dar para um terraço aberto para o mar, pois subsiste no piso térreo um apontamento de um arco ogival. Para poente o edifício teria uma articulação mais intimista, subsistindo desse aspecto dois pequenos portais manuelinos. É possível que correspondessem então às instalações pessoais do provedor No reinado de Filipe II foi nomeado um desembargador para a Madeira, o Dr. João Leitão, de início com funções governativas gerais. No entanto, com a potencial ameaça da armada de D. António, Prior do Crato, estacionada nos Açores, foi necessário nomear um militar de confiança e uma guarnição militar permanente. A escolha recaiu no conde de Lançarote, das vizinhas ilhas Canárias, para aqui deslocado por um curto período de alguns meses, mas que acabou por ultrapassar um ano. Em breve foi nomeado um novo governador militar, com superintendência sobre as capitanias do Arquipélago, assim como um corregedor, para a administração da justiça. Ao mesmo tempo, mantinha-se a anterior estrutura alfandegária, subordinada por um lado ao governador, mas ao mesmo tempo ao desembargo do paço. Nos inícios do século XVII a alfândega do Funchal teve francas dificuldades em conseguir encontrar rendimentos para pagar ao clero local e aos militares castelhanos aqui estacionados. Desta situação nasceram questões melindrosas, com o bispo do Funchal a excomungar os oficiais da pagadoria e os soldados a colocarem cerco ao provedor, não o deixando contactar ninguém, receber água ou comida, sem primeiro lhes pagar. Assim, assumindo o bispo D. Jerónimo Fernando, que excomungara os oficiais da Alfândega, o lugar de governador, determinou a fortificação destas casas, muito provavelmente para obstar a situações como as decorrentes dos cercos dos soldados do presídio castelhano. Foi o próprio Bispo que declarou essas obras numa vereação geral camarária, em 1630, no sentido de tentar um financiamento da Câmara para as restantes obras de fortificação da cidade, no que não foi muito bem sucedido. Ainda nos inícios do século XVII foram feitas várias obras na Alfândega, como indica uma inscrição sobre a porta gótica, a poente do pátio interior da Alfândega: "Esta porta mudou-se no ano de 1620", tendo depois havido uma forte depressão que não deixou margens para esses aspectos. A situação financeira degradou-se francamente a partir de 1620 e, principalmente, a partir de 1630, com um quase completo bloqueio naval dos países europeus aos portos filipinos. Disso ressentiu-se francamente a Madeira, totalmente dependente do comércio internacional e, de modo muito especifico, quanto ao reabastecimento de trigo. Com a subida ao trono de Portugal de D. João, duque de Bragança, ocorreram novamente na alfândega do Funchal alguns tumultos, tendo então sido demitido o provedor Manuel Vieira de Andrade. Um ano depois e para investigar os tumultos então ocorridos, deslocou-se ao Funchal o corregedor Gaspar Mouzinho Barba e o oficial de diligências Amaro Godinho Borges. O novo provedor e corregedor vinha igualmente com o encargo de levantar o "donativo", importante quantia destinada a fazer face às guerras da aclamação de D. João IV, assim como proceder à sobrecarga da moeda . Para fazer face às despesas das guerras da Aclamação de D. João IV, em 1642 foi determinada uma sobrecarga no dinheiro corrente. Para a alfândega da Madeira vieram então 49 punções destinados a remarcar todo o dinheiro corrente. A desculpa era existir "demasiada bondade na prata", pelo que o dinheiro saía do Reino. Assim, por exemplo, as patacas de 400 réis passaram a ser marcadas a 480 réis e as meias patacas de 200 réis, a 240 réis. No entanto, na Alfândega, só se pagavam pelas mesmas, à entrada, o valor inicial. O novo corregedor, quando começou a trabalhar, constatou irregularidades várias nos impostos, pelo que tentou proceder à sua cobrança, vindo a ser assassinado na Câmara Municipal. Por detrás desta insurreição estava, igualmente, o descontentamento pela desvalorização da moeda. O Rei enviou então novo corregedor e provedor, o Dr. Jorge de Castro Osório, juiz desembargador do Porto, que na Ilha recebeu a colaboração do oficial de diligências Godinho Borges, então na função de provedor. No entanto a situação continuava bastante agitada e, a breve trecho, foram ambos envenenados, como refere a portaria régia para a viúva do oficial de diligências: "mortos com peçonha". O Rei tomou então outras medidas de fundo, enviando um governador com fortes ligações familiares na Ilha: Manuel de Sousa de Mascarenhas. Em 1644, fazendo referência à necessidade de controlar o contrabando e defender o desembarcadouro das fazendas, o Rei determinou a construção de uma fortificação nas casas da Alfândega. A portaria determinava que "se fizesse um Reduto que servisse a praia, com respeito à distância que havia de uma a outra fortaleza ( São Lourenço e São Filipe do largo do Pelourinho) e se abrisse uma porta para o embarque e desembarque das fazendas". O documento referia ainda que todos os embarques e desembarques só se deveriam fazer por essa porta e que, acabadas estas obras, as fazendas que o não fizessem, "seriam perdidas para os proprietários". A fortaleza teria sido construída de imediato, conforme o governador e provedor mandaram exarar no portal virado à Rua da Alfândega: "Manuel de Sousa Mascarenhas, sendo governador e capitão general desta Ilha, mandou fazer este Reduto e as portas dele, por ordem de Sua Magestade, no ano de 1644, sendo provedor da fazenda Manuel Vieira Cardoso". O principal pormenor da fortificação, como veladamente se fez referência no portal, era o de fechar a fazenda régia à cidade e dar assim uma certa segurança ao pessoal ali em serviço. A bateria ficou constituída por um baluarte triangular avançado ao mar, construído sobre a cortina da cidade. Como se pode ver pelo desenho de 1654, feito pelo engenheiro Bartolomeu João, autor da obra, a comunicação com o calhau da praia fazia-se por uma porta lateral, a oriente, e por um túnel com escadaria no centro da esplanada das peças. Era um esquema semelhante ao utilizado na fortaleza do Pico, desenhada pelo anterior engenheiro e mestre das obras reais, Jerónimo Jorge, pai de Bartolomeu João . No lintel da porta ficou a inscrição a dar a direcção da obra: no tempo do governador tal, sendo provedor da fazenda Manuel Vieira Cardoso. É a primeira referência expressa que temos à acção do provedor nas obras da fortificação e marca uma nova reafirmação do cargo. Esta bateria teria sido sumariamente artilhada na época da primitiva construção, ou seja em 1630, na vigência do bispogovernador D. Jerónimo Fernando, ainda descendente do Rei D. Duarte. É ainda possível que o tenha sido antes, dado que os primeiros alvarás que constituíram a nómina de bombardeiros do Funchal apontavam para os guardas da Alfândega como os primeiros potenciais artilheiros. Bartolomeu João na sua Descrição de 1654, de que aqui publicamos a ilustração, descreve assim a fortaleza: "Reducto da Alfândega, o qual franqueia a praia entre a fortaleza de São Lourenço e a Fortaleza Nova, com 2 peças de artilharia, o que se fez para defesa e guarda da fazenda real da Alfândega, que se desmandava por várias partes". Ao longo do século XVII, o Provedor queixou-se algumas vezes da necessidade de artilheiros para o reduto. Numa carta de 25 de Setembro de 1680, pedia-se mesmo a transferência de um dos artilheiros de São Lourenço para a Alfândega, dado que ali havia "muitos bombardeiros, e é lá escusado este, que pode (aqui) servir de condestável". No entanto, não temos informações no século XVII do atendimento do pedido do provedor do Funchal. Da segunda metade do século XVII temos referências ao estado geral do edifício da Alfândega, então a necessitar de obras urgentes de consolidação. Em carta de 30 de Outubro de 1669, queixava-se o Provedor que as casas da Alfândega se tinham construído "no tempo do senhor rei Dom Manuel, que santa glória haja" e que, construída a Casa dos Contos num dos cantos do conjunto de edifícios, se estribava em um sobrearco, junto às escadas. Tudo feito "de pedrinhas, se desuniram as do sobrearco", pondo em grande perigo a porta de entrada, pelo que tudo corria o risco de vir abaixo. Para mexer neste sobrearco, era necessário mexer igualmente nas escadas. Tinha-se então já chamado o mestre das obras reais, por certo Bartolomeu João de Abreu, filho de Bartolomeu João e neto de Jerónimo Jorge e que já se tinham orçamentado as obras. Esta campanha de obras deve ter sido executada, como se pode ver pelo arco de suporte das mesmas escadas, hoje servindo de sacristia e baptistério à pequena capela de Santo António e duplamente reforçado, em cantaria mole da Ilha e em cantaria rija. Igualmente é visível nas escadas a sobreposição de campanhas de obras, assim como a porta para o exterior da Sala de Contos que, no desenho de Bartolomeu João, aparece geminada e ao gosto mudejar. Hoje, esta porta é mais moderna e talvez de uma campanha de obras já do século XVIII. Das obras de 1669, ou pouco depois, deve ter sido a ampliação do armazém coberto, então dotado de duas grandes portas maneiristas em cantaria rija da Ilha: uma dando para nascente e para a esplanada das peças, e outra, para o mar. Esta segunda porta encontra-se hoje remontada na fachada poente. A segunda metade do século XVII, com o desenvolvimento do comércio do vinho da Madeira, quer para as Índias Ocidentais inglesas, quer para o Brasil, reanimou francamente a alfândega do Funchal. São desta época a colocação de quadros madeirenses nas novas companhias estatais de comércio, como o caso do capitão Gaspar de Andrade, em 1690 à frente da Companhia Real da Guiné e Cachéu. Este administrador estivera em 1673 como comissário dos comboios marítimos para o Brasil, ligado portanto à Companhia Geral do Comércio do Brasil, passando em 1677 a administrador da Junta do Comércio Geral da Madeira. A Companhia do Comércio do Brasil tinha sido fundada pela acção do padre António Vieira e estabelecera uma larga rede de interesses comerciais entre os cristãos-novos portugueses radicados em Amesterdão, na Holanda, no porto de Viana, em São Miguel, nos Açores, no Funchal e em Pernambuco e Maranhão, no Brasil. A prosperidade da alfândega da Madeira levou a que a diocese de Cabo Verde viesse a ser paga neste final de século pelos "sobejos da alfândega da Madeira", dada a falta de liquidez da alfândega daquele arquipélago, sendo procurador de Cabo Verde, o cónego da sé do Funchal, António Lopes de Andrada, irmão de Gaspar de Andrada. No início do século XVIII reforçou-se o comércio, com o incremento da produção de vinho da Madeira para o mercado inglês, apoiado nos vários tratados comerciais então firmados. Este incremento foi notório com a presença na Madeira do fidalgo e mercador Duarte Sodré Pereira, senhor de Águas Belas, perto de Tomar, governador da Madeira entre 1704 e 1712, ele próprio com interesses comerciais em Londres. Duarte Sodré Pereira era descendente de uma família de armadores do século XV, cujo topónimo ainda se mantém na baixa de Lisboa, através do Cais do Sodré. Notabilizou-se como capitão da armada da Corte, altura em que teria estabelecido várias relações internacionais, rentabilizadas depois como governador da Madeira e, ainda depois, como governador de Mazagão. Neste contexto se deve inserir a fundação e construção da capela da Alfândega. O encargo correu por testamento de João de Aguiar, pelo menos desde 1710, juiz da alfândega do Funchal. A instituição da capela data de 1714, embora a construção possa ter sido um pouco anterior, devendo ter começado a funcionar em 1715. Entre os processos do Juízo dos Resíduos e Provedoria das Capelas, provenientes da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, existe o processo desta capela, com as missas e sufrágios a que estava obrigada e que deveriam realizar-se na "ermida de Santo António da Mouraria, que fica dentro da Alfândega desta cidade". Deste processo faz parte o testamento do desembargador João de Aguiar, onde o mesmo diz ser uma vontade que fosse enterrado naquela capela, numa sepultura rasa e com o letreiro: "Aqui jaz o miserável pecador João de Aguiar, desembargador (e) provedor que foi nesta Ilha". A data do testamento é de 14 de Dezembro de 1714, data em que o Provedor se deveria encontrar já francamente doente, pois faleceu cerca de um mês depois. O testamento foi aberto a 14 de Janeiro do seguinte ano de 1715. A Capela devia estar então já construída e a funcionar, embora só tenha tido vistoria e alvará episcopal para culto com data de 24 de Dezembro de 1736. O culto de Santo António na Madeira data do século XVI e estava muito activo nos finais do século XVII. Foi dessa data a montagem de uma capela desta evocação na igreja do Colégio dos Jesuítas, a reformulação da grande capela montada no transepto da Sé, assim como a elevação de outras capelas por toda a Ilha. Por esta data residia no Funchal um ramo da família Bulhões, igualmente responsável por uma capela desta invocação na rua do Hospital Velho. Santo António nasceu em Lisboa, a 15 de Agosto de 1195, junto da Sé Catedral, sendo registado como Fernando de Bulhões, filho de Martinho de Bulhões e de Maria Teresa Taveira. Teria estudado em Lisboa, oferecendo-se aos 15 anos para entrar para a ordem dos cónegos regrantes de Santo Agostinho. Transitaria depois para Coimbra, onde continuou os seus estudos e foi ordenado. Em 1221,depois de ter tentado chegar ao Norte de África, arrastado por uma tempestade, encontrava-se na Sicília, onde soube do capítulo geral da ordem de São Francisco. Deslocou-se então a Assis, ficando como assistente do próprio São Francisco. Ensinou Teologia nas universidades franciscanas de Bolonha, Mompiller, Tolosa e Pádua, onde faleceu com 36 anos, a 13 de Junho de 1231. Foi canonizado um ano depois, sendo considerado como o mais categorizado representante da cultura cristã do período de transição da pré-escolástica para a escolástica. A inscrição "Ad Salem Sol" colocada sobre o portal da capela tem levado a várias interpretações. A mais aceite, apresenta esta inscrição como a abreviatura de "Ad Salutem Sol Beatus Antonius", dedicatória a Santo António, considerado no século XVII como "O Sol de Salvação do Ocidente". Dos inícios do século XVIII ainda temos algumas informações sobre a bateria da Alfândega. Em 1724 era condestável da fortaleza da Alfândega, Domingos de Carvalho e existiam ali 6 peças de 13 até 24 libras, com os seus reparos ferrados, ou seja reforçados a chaparia de ferro. A fortaleza possuía então a carga mínima para poder fazer fogo: 3 colheres de chumbo com suas hastes, 6 soquetes elanados, 2 medidas de folha da Flandres, um funil da mesma folha, uma prancha de chumbo para os fogões, um riscador, um saca-trapo, 2 guarda-cartucho de madeira, uma lanterna, uma selha para a pólvora, uma alavanca, um caixão para sua fechadura para recolher os cartuchos e uma bandeira de filete, com as armas reais, mastro e corda. No entanto, a sua importância era diminuta e, nas necessidades e relações de artilharia enviadas para Lisboa em 1754 e 1755, a bateria da Alfândega não foi sequer mencionada, aliás como também não foi a fortaleza do Pico. Dos meados do século foram as grandes obras pombalinas da Alfândega. Embora haja mandados do Conselho da Fazenda para se fazerem obras desde 1730, as principais obras devem ter ocorrido depois dessa data. O Funchal sofreu um grande tremor de terra em 1748, embora sem as consequências do que veio a ocorrer alguns anos depois em Lisboa. No entanto, o sinistro foi aproveitado para executar uma série de obras em toda a cidade, que aguardavam vontade política e disponibilidades de verbas. Sobre os estragos efectuados na Alfândega, o provedor escreveu então para Lisboa: "sendo fortíssimas as suas paredes, descobrem-se nelas trinta e duas fendas, uma de alto a baixo e outras atravessadas; alguns cantos desunidos, freixais apartados de seus lugares e tudo o mais carecendo de pronto remédio". Dentro de uma série de directivas emanadas de Lisboa, iniciadas a 30 de Outubro de 1750 e cujo estudo pensamos apresentar no decorrer do próximo ano, a Alfândega foi francamente ampliada, preservando-se, no entanto, o primitivo núcleo manuelino. Para esta remodelação vieram mesmo abundantes elementos de cantaria de Lisboa, como as ombreiras e os lintéis das portas e as amplas e bem desenhadas janelas das fachadas. A uniformização dos materiais parece indicar provirem dos importantes estaleiros lisboetas montados para as obras da baixa pombalina. A Alfândega avançou sobre parte do anterior armazém coberto frente ao mar e cresceu um piso nessa ampla fachada. O edifício ainda deve ter sido acrescido de uma pequena torre nos finais do século XVIII, como os principais edifícios do Funchal, com uma pequena varanda sobre o mar. Esta torre era um elemento imprescindível de controlo do movimento da praia do Funchal, também nessa data dotada de uma outra novidade, uma torre-cabrestante: o pilar de Banger. A construção desta torre-cabrestante data de 1798 e foi levada a cabo a expensas do comerciante inglês Jonh Light Banger. O célebre pilar tinha cerca de 30 metros, por um diâmetro na base de 3 metros e custara a importante quantia para a época de 1350 libras esterlinas. Com as alterações estratégicas do porto do Funchal nos inícios do século XIX e a presença contínua dos grandes navios de guerra ingleses de apoio às operações em curso na Europa, toda a estrutura e organização tiveram de ser revistas. O Funchal nesta altura foi mesmo ocupado por forças inglesas, entre 1801 e 1802, assim como entre 1807 e 1814, ficando destas ocupações uma série de residentes, pois as últimas forças eram já de veteranos, que para aqui se tinham deslocado com as famílias. Igualmente uma outra catástrofe contribuiu para o repensar total da cidade. A 9 de Outubro de 1803 abateu-se sobre o Funchal, assim como sobre o resto da Ilha, uma tromba de água, que provocou a mais terrível aluvião da história da Ilha. Só na parte baixa da cidade terão morrido 200 pessoas, calculando-se um total de 600 mortes em toda a Madeira. Foi então enviado para a recuperação geral da cidade e da Ilha o brigadeiro Reinaldo Oudinot, acompanhado do capitão Matos de Carvalho, sendo esta equipa reforçada depois com o tenente Paulo Dias de Almeida, que se manteve na Ilha. Com a estadia de Paulo Dias de Almeida na Madeira, foi a bateria da Alfândega francamente ampliada, avançando a esplanada em toda a frente do edifício e ao longo do calhau da praia. Foi rematada a poente e a nascente com guaritas quadradas, cobertas a telha, mantendo-se a pequena guarita cilíndrica, entretanto construída no século XVIII, no cunhal avançado do primitivo baluarte. Desapareceu assim a face poente do baluarte do século XVII, colocada recentemente a descoberto nas obras de remodelação da Alfândega para instalação da Assembleia Legislativa Regional (1985-1987). Conforme Paulo Dias de Almeida refere na sua Descrição de 1817, a bateria da Alfândega era uma "pequena praça no centro da cortina da cidade. Com o seu acrescentamento, que se completou este ano, ficou muito melhor, e ficou melhor praça para depositar as mercadorias que se recolhem na Alfândega, para cujo fim foi aumentada e se pode pôr artilharia". A bateria veio a ter algumas obras durante o século XIX, principalmente decorrentes das necessidades de ampliação dos armazéns dos escaleres, que lhe ficava a poente, onde se abriu depois o largo António josé de Almeida. Durante o século XIX tiveram lugar outras obras, nascidas, inclusivamente, da equiparação da alfândega do Funchal às demais do Reino, determinada pelo regime liberal em 1834 e, no ano seguinte, com o reajustamento de pessoal. Estas alterações de 1834 deram origem a uma acesa polémica, dado envolverem novos direitos sobre a importação de cereais, o imposto das estufas e a lei da tonelagem, tendo-se então publicado vários folhetos contra a equiparação. Entre outras obras, construíram-se então os armazéns dos escaleres, a ocuparem o espaço correspondente hoje ao largo António José de Almeida. Por outro lado, com a desactivação progressiva da antiga bateria, acabou a esplanada por ser ocupada totalmente com os armazéns gerais da Alfândega, nos finais do século precariamente cobertos. A 2ª planta da Alfândega de Paulo Dias de Almeida, datável de 1820, já indica a construção de um pequeno coberto, a poente, aumentando até aos finais do século. No século seguinte, os armazéns vão começar a ocupar mesmo a própria orla marítima, como se pode constatar pelas fotografias que chegaram até nós. Os meados do século XX tiveram de dar resposta ao crescente descontentamento insular da incúria revelada a vários níveis pelo governo de Lisboa. Com a nomeação do Dr. Fernão Ornelas para a presidência da Câmara Municipal do Funchal, 1935-1946, desenvolveu-se uma série de obras tendentes a colocar o porto do Funchal e a própria cidade dentro das necessidades da sua época. As principais construções levadas a cabo visavam a construção de uma avenida ao longo do mar e a ampliação do porto do Funchal. Nesse sentido levantaram-se os novos edifícios ao longo da antiga muralha da cidade, possibilitando a desmultiplicação dos vários serviços que então constituíam a antiga Alfândega. Surgiu assim, com base na antiga fortaleza e na sua guarnição, a Guarda Fiscal e, na sua sequência, a capitania do Porto do Funchal, o Grémio das Frutas e a Nova Alfândega. Com os anos quarenta e as comemorações dos Centenários surgiu a classificação dos Monumentos Nacionais e as consequentes obras de restauro. As chamadas Casas da Alfândega do Funchal foram classificadas como Monumento Nacional em 1940, classificação ratificada em 1943. Até certo ponto, com a construção da Alfândega Nova, as antigas instalações da velha Alfândega estavam nos meados do século quase disponíveis, tendo o conjunto de edifícios sido alvo desde os anos 50 e até 1967 de uma campanha de obras por parte da Direcção das Obras dos Monumentos Nacionais. A campanha visou essencialmente as fachadas e as salas manuelinas, Salas dos Contos e do Despacho, demolindo-se o conjunto de edifícios a poente. Em 1966 foi construída a fachada virada ao largo Dr. António José de Almeida, remontando-se então aí o portal da antiga igreja do Campanário. Nesse mesmo ano, ao serem picados os rebocos das restantes fachadas, foram colocados a descoberto o pequeno portal manuelino, virado à rua da Alfândega e os vestígios do portal manuelino térreo, virado ao pátio exterior da Alfândega. Em 1977 ocorrreram as celebrações do V Centenário da Alfândega do Funchal, efeméride aproveitada para alertar para a importância do velho conjunto de edifícios. Foi efectuada uma grande exposição retrospectiva da história da Alfândega na Madeira e, nessa sequência, efectuaram-se, inclusivamente, obras na antiga capela de Santo António, profanada desde os meados do século XIX. Em meados de Setembro desse ano de 1977 foi levantado o soalho de madeira e transladados os restos mortais do velho provedor João de Aguiar. No ano seguinte, em 1978, deu-se a descoberta dos tectos mudejares das actuais salas de reunião das Comissões e do gabinete do Presidente. Datam desta época uma série de ideias para reutilização destes edifícios. A primeira, em 1964, e confirmada oficialmente em 1971, previa a instalação ali da então Delegação Regional de Turismo. No entanto, em 1974 optou-se pela instalação do conjunto de Museu de História Natural e Aquário, cedendo a Câmara Municipal o palácio de São Pedro na sua totalidade para Biblioteca Pública e Arquivo Distrital. Alguns anos depois ainda se alvitrou a instalação de um grande museu regional nestes edifícios, reunindo espólios dispersos em vários locais, mas o destino viria a ser outro.
De 1976, início da I Legislativa, até 4 de Dezembro de 1987, data da inauguração das actuais instalações, os serviços da Assembleia estiveram sediados no edifício da antiga Junta Geral, à avenida Zarco, a par dos restantes órgãos do Governo Regional, instalações depressa reveladas insuficientes. A escolha de uma nova sede veio a recair sobre o antigo edifício da Alfândega do Funchal, classificado de Monumento Nacional em 1940 e 1943, e então praticamente devoluto. Esta opção recaiu assim num edifício de grande qualidade arquitectónica e carga política. Efectivamente, a criação em 1477, no início da expansão portuguesa, de uma alfândega na Madeira e a sua ampliação no reinado de D. Manuel, representaram um dos passos mais importantes na organização administrativa do estado moderno ultramarino português. O conjunto de edifícios foi criteriosamente restaurado para albergar os órgãos necessários para o funcionamento da actual Assembleia Legislativa Regional. Assim, recuperados os antigos espaços manuelinos, ficou instalado na antiga Casa do Despacho, o salão nobre e, no segundo piso, gabinetes vários e a biblioteca, que ocupou a antiga Sala dos Contos. Na impossibilidade de incluir neste conjunto classificado, um recinto para servir de plenário, optou-se pela sua construção em anexo. Foi então levantado um edifício moderno e semienterrado, de forma a servir as necessidades da Assembleia Legislativa da Região Autónoma e afectar o menos possível a traça do mais antigo. O projecto do conjunto foi executado pelo arquitecto Raul Chorão Ramalho, sendo a nova sede da Assembleia inaugurada a 4 de Dezembro de 1987, com a presença das mais altas entidades nacionais e regionais. O projecto ressalvou o antigo pátio interior, desafectando-o de algumas construções desnecessárias e posteriores aos núcleos principais. Para este pátio fez convergir as duas principais entradas: a leste, já existente, e criando outra, a oeste, para o que se transladou a antiga porta dos armazéns para esse lado. Ficaram assim em comunicação as duas portas da mesma época e praticamente iguais, devolvendo-se aos serviços culturais da Região o portal da demolida igreja do Campanário, que em 1966 tinha sido incrustado naquela fachada. No portal nascente mantevese à vista o pormenor da antiga porta manuelina, descoberto na picagem dos rebocos efectuada em 1966. Foi construída neste átrio interior uma escadaria de acesso ao andar superior, que se prolonga superiormente em varanda, debruada com ferros dentro do esquema geral estético utilizado para as varandas pombalinas exteriores. O átrio foi coberto a vidro, acentuando a separação entre o edifício manuelino e as construções posteriores.

Neste átrio foram recuperados os antigos três arcos góticos do piso térreo, encontrando-se em muito bom estado o arco de nascente, protegido que foi com as obras de 1669. Possui uma arquivolta sobre fundo relevado e capitéis de motivos vegetalistas. Curiosamente, parece ter sido levantado, possuindo duas bases nos colunelos. Ao centro do átrio e na parede da Sala do Despacho, existe o arranque de um grande arco de cantaria regional, assente em mísula embutida na parede em forma de sanefa com borla, ao gosto do século XVII. Corresponde, provavelmente, a um piso intermédio então levantado. Aliás, superiormente e na metade poente, existe uma fiada de cachorros, indicativa de ter havido um alpendre, ou a intenção de o instalar. O piso térreo é dominado pela antiga Sala de Despacho manuelina, que ocupa quase todo o comprimento do edifício do lado da rua da Alfândega. A sala é suportada por duas fiadas de colunas de fuste oitavado e capitéis esculpidos com motivos vegetalistas, articulando-se por arcos de volta perfeita em cantaria. No sentido norte/sul as colunas apoiam-se em mísulas, incrustadas nas paredes, com motivos esculpidos antropomórficos. O tecto teria sido ao gosto mudejar, mas na campanha de obras dos Monumentos Nacionais de 1966/67, não foi possível a recuperação de qualquer parte da estrutura original. A sala encontra-se decorada com cópias de mobiliário madeirense e continental ao gosto do século XVII/XVIII e alguns, pratos ditos de Nuremberga, ao gosto do século XVI, mas já dos séculos seguintes. Nas paredes encontram-se os brasões dos diversos concelhos do Arquipélago bordados em tapeçaria tradicional madeirense. Na sequência desta sala encontrase um compartimento utilizado como copa de apoio a recepções. Este compartimento teria correspondido às instalações do provedor do século XVI, ostentando para a rua da Alfândega um pequeno mas muito bonito portal manuelino, descoberto nas obras de Janeiro de 1966. O portal, em cantaria regional, articula-se com duas impostas esculpidas em fundo relevado, com colunelos semi-cilíndricos e capitéis com motivos vegetalistas. Infelizmente, quase já não se reconhecem as bases. O lintel é constituído por dois meios arcos relevados e abatidos, que suportam centralmente as armas de D. Manuel, com coroa de duque e sem outros atributos. As cantarias desta pequena porta prolongam-se para as do cunhal. Interiormente também existe um outro pequeno portal, mais simples e em piores condições de conservação. Encontra-se hoje bastante elevado e dadas as suas dimensões, embora tenha havido alterações do piso, é possível que tenha sido uma moldura de armário. O átrio dá acesso ao plenário da Assembleia, constituído por um areópago semi-enterrado em relação ao edifício principal e envolvido por um corredor circular, os chamados "passos perdidos", assim como um pequeno bar de apoio aos deputados. Este espaço encontra-se todo decorado com mobiliário moderno e serigrafias de autores contemporâneos conhecidos, assim como uma tapeçaria de Júlio de Resende. Para o plenário optou-se pela utilização de madeiras e as cores da Região: azul e amarelo. Este conjunto não tem acessos ao exterior, senão através do edifício mais antigo. Exteriormente encontra-se revestido a calcário de Moleanos e, superiormente, ajardinado e decorado com canais de água, que escorrem em cascata para um tanque no largo Dr. António José de Almeida, em alusão ao antigo sistema de levadas da Madeira. Neste primeiro piso ainda foram instaladas duas portarias e, em frente à antiga Sala do Despacho, aproveitaram-se as compartimentações dos séculos XVII/XVIII para os serviços gerais de portaria da Assembleia. No 2º piso encontram-se instalados os órgãos de direcção da Assembleia. Na ala Norte, manuelina, encontram-se instalados o gabinete da Presidência, as salas de reuniões e a biblioteca, assim como na Sul se instalaram os gabinetes das Vice-Presidências, Secretário Regional dos Assuntos Parlamentares, Assessor Jurídico, Chefe de Gabinete da Presidência, Secretário Geral e Secretárias. Esta área encontra-se exteriormente toda preenchida com grandes janelas de calcário de Molianos, de lintel de balanço e varanda avançada com grade de ferro forjado, pintado a verde. A uniformização deste piso nasceu das obras dos meados do século XVIII, quando foram colocadas nas fachadas norte, nascente e parte da sul, as grandes janelas enviadas de Lisboa. Nas obras de 1967 estas janelas prolongaram-se para a fachada poente e, nas últimas, de 1985/87, completaram todo o andar virado ao mar. Manteve-se, fora do alinhamento, a grande janela de varandim avançado na fachada sobre o mar, que deve corresponder ao antigo gabinete de trabalho do provedor dos séculos XVIII/XIX. Igualmente se mantiveram as magníficas gárgulas esculpidas do edifício manuelino, sobre a rua da Alfândega, assim como as carrancas da fachada nascente, indicativas de ter havido, pelo menos em intenção, um alpendre de madeira, que não é indicado no desenho de 1654. A biblioteca ocupou a antiga Sala dos Contos. Trata-se da estrutura arquitectónica mais interessante do edifício, ainda coberta com o original tecto mudejar. O tecto é em caixotão, oitavado e assente em quartos de cúpula. A parte central é decorada com uma cúpula central, vasada e entalhada, e vários pingentes, dois dos quais suportam os grandes tirantes horizontais que amarram as paredes. Os quartos de cúpula de suporte repetem centralmente a decoração do vasado superior e são envolvidos por um cordão com borlas em talha. Todo o conjunto assenta sobre uma faixa de entablamento, com cerca de um metro de altura, rematada superior e inferiormente por frisos em ponta de diamante. Encontra-se pintado a ocre, com as aplicações, frisos e talhas a cinza. Esta sala possuía um portal de recorte mudejar, dando para as escadas exteriores e retirada pelas obras de 1669. No entanto, o pormenor mais interessante foi colocado a descoberto com as recentes obras. Esta sala abria para o mar através de uma fantástica janela ao gosto do século XVI, parcialmente agora recuperado na parte de origem, com quatro metros de altura e, provavelmente, repartido ainda por um pinásio em cruz, devendo assim possuir duas quatro portadas. Segundo o desenho de Bartolomeu João, este piso ainda possuía mais duas janelas manuelinas, uma das quais, ao gosto mudejar e com pinázio central, foi possível reconstruir parcialmente. Colocou-se assim uma lápide indicativa do trabalho levado a cabo: "Fez-se a reconstituição conjectural deste vão com cantarias encontradas sob rebocos e implantou-se neste local em 1984". Da segunda janela só se encontrou uma das ombreiras. No seu espaço encontra-se outra, com avental em calcário continental, muito provavelmente contemporânea das obras da segunda metade do século XVIII. Toda esta ala do piso apresenta portas iguais, em calcário continental e as da biblioteca, em cantaria regional, por certo da mesma campanha de obras. No lado poente situou-se o gabinete do presidente da Assembleia. A sua decoração foi especialmente cuidada, optando-se por uma série de peças originais de excepcional qualidade e relacionadas com a história da Região Autónoma. Como peças de parede escolheu-se uma magnífica tapeçaria de Guilherme Camarinha, alusiva ao descobrimento da Madeira: "João Gonçalves Zarco desembarcou nesta Ilha denominada Madeira aos dois dias de Julho de 1419" e executada para a antiga Junta Geral em 1951. O gabinete possui dois contadores portugueses ao gosto do século XVII, com um ligeiro trabalho de embutidos, num modelo que poderia ter sido executado na Ilha e um outro, geralmente denominado de "torcidos e tremidos", provavelmente já século XVIII. Possui ainda um alto e excepcional móvel português de dois corpos, do século XVII e um relógio de pé alto, com máquina portuguesa assinada por António Dias e caixa entalhada e pintada ao gosto dos meados do século XVIII. Encontra-se também neste gabinete uma pintura flamenga de uma oficina de Antuérpia, dos inícios do século XVI, executada dentro das directivas e estilo das oficinas dos Bruegel e da de Jerónimo Bosch. Com um estudo específico elaborado por especialistas, é possível que se possa avançar para hipóteses ainda mais interessantes. Além de outros móveis do século XIX, dentro dos "torcidos e tremidos", encontra-se também neste gabinete uma imagem de São Miguel Arcanjo, dois castiçais portugueses de bronze dourado, ao gosto do século XVII, dois pratos de faiança portuguesa, tipo Aranhões, do século XVII, provavelmente das oficinas de Lisboa, um pote de faiança chinesa da época Ming, séculos XVI/XVII, uma garrafa Companhia das Índias, família rosa, século XVIII e dois tamboretes chineses oitavados, com decoração azul e branco, dos meados do século XIX, ou já mesmo do século XX. Entre a biblioteca e o gabinete do Presidente situam-se duas grandes salas, utilizadas para os trabalhos e reuniões das comissões. São, tal como o gabinete citado, cobertas com tectos ao estilo mudejar, reconstruídos a partir dos elementos encontrados e pintados em azul Prússia e vermelhão, assim como possuem todas tapetes tipo Arraiolos com padrões tradicionais. Estas salas encontram-se decoradas com mobiliário português ao gosto dos séculos XVII/XVIII. A primeira possui uma tapeçaria de Guilherme Camarinha, pertencente à antiga Junta Geral e encomendada, tal como a anteriormente citada, em 1951. É dedicada a: "Funchal, porto atlântico do século XVI". Igualmente ali se encontram dois anjos candelários portugueses do século XVIII, dois grandes contadores e uma arca de gavetas de "torcidos e tremidos". Na segunda sala, pode ainda admirar-se uma grande pintura religiosa, do século XVIII e dois canudos ou jarras de cerâmica portuguesa, com decoração azul, dentro do estilo popularizado pela fábrica do Rato de Lisboa. Enquanto a ala sobre a rua da Alfândega, com os seus tectos mudejares, ocupa toda a altura do edifício, as restantes, permitiram a utilização de um terceiro piso utilizado para gabinetes dos deputados. Tal como no piso médio, um corredor com varandim faz a ligação geral, debruçando-se sobre o pátrio central e sendo decorado com corriolas e fetos, que pendem para o piso médio. A cobertura geral do pátio é em vidro, recuperando na ala mais antiga a cornija do beiral do telhado, com uma ordem de telhas invertidas. A Assembleia foi inaugurada a 4 de Dezembro de 1987. No entanto, nos anos seguintes continuaram-se as obras de melhoramento do conjunto. Em 1990 iniciou-se a remontagem da capela de Santo António da Mouraria. Com a implantação do liberalismo e a extinção dos conventos, grande parte das antigas capelas instituídas com legados pios, perderam a sua viabilidade económica, acabando por encerrar. Assim aconteceu com esta capela, que fechava ao culto nos meados do século XIX, foi desmanchada e adaptado o seu interior a repartição de Finanças. Citámos já os primeiros trabalhos de limpeza, em Setembro de 1977, com o levantamento do soalho de madeira e a transladação dos restos do provedor João de Aguiar, fundador da capela. Nas obras levadas a cabo entre 87 e 90 recuperou-se a parede de apoio da capela, deixando o aparelho original de pedra das escadas à vista, assim como o arco de apoio, com os vários tipos de cantaria provenientes das obras de consolidação levadas a cabo em 1669. Sob este arco de apoio colocou-se um grande cântaro de barro e uma pintura sobre madeira, de carácter popular, séculos XVII/XVIII, representando um Baptismo de Cristo. Restaurou-se também o antigo lava mãos em cantaria regional, mantendo-o como peça decorativa. A opção geral seguida foi para montagem de um conjunto dentro da época de fundação da capela. A capela foi dotada com um altar de talha dourada, datável dos inícios do século XVIII. Como o altar encontrado havia entretanto perdido grande parte do revestimento a folha de ouro e policromia, escolheu-se um frontal pintado dos meados do mesmo século, assim como uma imagem de Santo António, em barro pintado e da mesma época, recuperando assim o colorido do conjunto inicial. As paredes foram revestidas com uma colecção de santos atribuível à oficina madeirense de Nicolau Ferreira, activa entre os finais do século XVIII e os inícios do século seguinte. Dado o altar não ocupar toda a parede da capela, foi ladeado por dois grandes tocheiros dos finais do século XVIII, folheados a prata. A capela ainda possui um conjunto de cruz processional, caldeirinha, turíbulo, naveta e sineta dos séculos XVI/XVII a XVII/XVIII. Em Maio de 1990 iniciaram-se também os trabalhos de remontagem do antigo portão da bateria da Alfândega. As armas reais do século XVII teriam sido retiradas após a implantação da República, visando alargar o portão de entrada para o pátio geral da Alfândega e encontravam-se montadas no jardim arqueológico do Museu das Cruzes. Entretanto, tinha ficado no seu local de origem o lintel com a inscrição já citada, utilizado a partir de 1987 como decoração do pequeno jardim, que corre ao longo da parede nascente do pátio da Assembleia. Dada a complexidade da inscrição, carregada de abreviaturas, ao gosto da época, optou-se pelo seu desenvolvimento em leitura corrente e actual, a acompanhar o portão no jardim. A remontagem foi executada na parede nascente do pátio exterior, à altura em que se encontrava inicialmente, reunindo-se a pedra de armas, coroa, aletas decorativas e inscrição, que compunham o antigo portão. Igualmente foi montada nessa altura uma grande escultura em bronze sobre pedestal de cantaria regional, da autoria do escultor Amândio de Sousa. Representa o trabalho legislativo dos deputados, numa alegoria à trilogia dos poderes. No pedestal encontrase inscrita a legenda: "De Jure et de Juri" (de direito e por direito). A peça escultórica de bronze foi oferecida pelo Banco Internacional do Funchal e inaugurada a 4 de Dezembro de 1990. Nesse dia 4 de Dezembro, igualmente se voltou acelebrar o culto religioso na velha capela de Santo António da Mouraria, então novamente equipada com altar e demais alfaias religiosas, então com uma missa celebrada por D. Teodoro de Faria, bispo do Funchal.

Vêr artigos e fotos in http://www.alram.pt/berilio/berwhis0.antiga_alfandega_madeira

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