segunda-feira, novembro 30, 2009

Jaime Moniz - Bibliografia

Jaime Constantino de Freitas Moniz - Bulhão Pato (1894)

Pato, Bulhão - Memórias. Homens Políticos, Tomo II, Lisboa, Tipographia da Academia Real das Sciencias, 1894.
Nesta obra encontra várias referências ao Jaime Moniz.

Jaime Moniz in Cronologia do Séxulo XX (Fundação Mário Soares)

Jaime Moniz - [Jaime Constantino de Freitas Moniz (1837-1917)]

Nasceu no Funchal a 18 de Fevereiro de 1837. Político, professor e pedagogo, distinguiu-se como grande orador parlamentar, notabilizando-se também como Director e professor do Curso Superior de Letras. Presidente do Conselho Superior de Instrução Pública desde a sua fundação, em 1884, até 1911, foi o autor da Reforma Educativa do ensino liceal de 1894-1895. Várias vezes deputado, desempenhou também as funções de director geral da Câmara dos Deputados, tendo iniciado, em 1882, a publicação do respectivo “Anuário”. Exerceu igualmente funções de ministro da Marinha e Ultramar (13 de Setembro de 1871 a 19 de Setembro de 1872), protagonizando nomeadamente a repressão da revolta do exército do Estado da Índia, que dissolveu e substituíu por forças expedicionárias mandadas da Metrópole. Morreu em Lisboa em 1917.

Jaime Constantino de Freitas Moniz - Wikipédia

Jaime Constantino de Freitas Moniz

Jaime Constantino de Freitas Moniz (Funchal, 18 de Fevereiro de 1837 — Lisboa, 16 de Setembro de 1917) foi um político e intelectual madeirense que se distinguiu na área da educação. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi advogado de nomeada, professor do Curso Superior de Letras, deputado, par do Reino, Ministro da Marinha e Ultramar
e presidente do Conselho Superior de Instrução Pública. Foi membro da Academia Real das Ciências de Lisboa, da qual foi secretário, tendo publicado sob a égide da instituição uma importante colectânea de diplomas referentes às relações entre Portugal e diversas potências estrangeiras. Introdutor da pedagogia científica em Portugal, a reforma do ensino secundário que liderou em 1894-1895, conhecida por Reforma de Jaime Moniz, ficou famosa, influenciando o desenvolvimento daquele nível de ensino até à década de 1930.
Biografia
Jaime Moniz nasceu na freguesia da Sé da cidade do Funchal, filho de António Caetano da Costa Moniz e de Eufémia de Freitas. Embora sem grandes recursos económicos, o pai pertencia a uma conceituada família madeirense, os Monizes de Santa Maria Maior. A mãe era filha de António Manuel de Freitas, o avô de Augusto César Barjona de Freitas, um influente político que acompanhou Jaime Moniz ao longo do seu percurso político.
Concluiu os seus estudos preparatórios no Liceu do Funchal, partindo de seguida para Coimbra, onde em 1857 se matriculou na Faculdade de Direito da respectiva Universidade. Estudante brilhante, concluiu a sua formatura em 1862, sendo galardoado com os primeiros prémios em todos os anos do seu curso.
Logo em 1863 concorreu ao lugar de professor da cadeira de História Universal e Filosofia do Curso Superior de Letras, em Lisboa, apresentando uma memória intitulada “Da natureza e extensão do progresso, considerado como lei da humanidade, e aplicação especial dessa lei às belas-artes”, sendo o candidato vencedor. Como lente do Curso Superior de Letras afirmou-se como um dos mais distintos, tendo como colegas no magistério personalidades como António José Viale, Pinheiro Chagas, Adolfo Coelho e Teófilo Braga.
Quando foi criada a Junta Consultiva de Instrução Pública, por Decreto de 30 de Dezembro de 1869, foi um dos seis vogais escolhidos para a integrar. Esta escolha contribuiu para afirmar Jaime Moniz como um dos principais pensadores da educação em Portugal, permitindo-lhe criar uma base de influência que se repercutiria no resto da sua carreira.
Paralelamente iniciou então em Lisboa uma carreira de advogado, que abandonaria aparentemente por falta de saúde. Apesar de ter sido curta a sua carreira forense, ainda assim granjeou fama, especialmente por em 1870 ter aceite defender o jovem intelectual e deputado José Cardoso Vieira de Castro, acusado de ter envenenado a mulher, crime que emocionou Portugal e cujo julgamento desencadeou uma atenção mediática sem precedentes.
Jaime Moniz empenhou-se profundamente na defesa do seu amigo e antigo companheiro nas lides académicas em Coimbra, havendo-se com assinalável eloquência e brilhantismo, o que lhe valeu grande exposição na imprensa da época e o louvor de intelectuais[1] como Pinheiro Chagas e Camilo Castelo Branco. Os discursos proferidos e as actas do julgamento foram publicados em livro[2], que teve largo sucesso editorial, com tal impacto que os portugueses residentes no Rio de Janeiro enviaram uma coroa de ouro a Jaime Moniz, como homenagem ao seu desempenho.
Abandonada a advocacia, dedicou-se então à política, à docência e à investigação, desenvolvendo uma carreira na área da educação que marcaria toda a sua trajectória profissional e política posterior. Os seus trabalhos literários e científicos versaram sobretudo questões de educação, ou instrução pública como na altura se dizia. Foi neste período colaborador assíduo da revista do Instituto de Coimbra.
Também em 1870 ingressou na política activa, apresentando-se como candidato a deputado nas eleições que se realizaram naquele ano. Foi eleito deputado pelo círculo eleitoral de Castelo Branco para a legislatura que começou a 31 de Março de 1870 e findou, por dissolução parlamentar, a 31 de Julho daquele ano. Voltou a candidatar-se, sendo reeleito pelo mesmo círculo para a legislatura que começou de 15 de Outubro de 1870 e terminou, novamente por dissolução, a 3 de Julho de 1871. No parlamento afirmou-se como orador distinto, intervindo maioritariamente em matérias relacionadas com a instrução pública e com as questões coloniais.
Voltou a ser eleito por Castelo Branco para a legislatura de 22 de Julho de 1871 a 2 de Abril de 1874, desta vez cumprindo o período legislativo constitucionalmente fixado. Durante esta legislatura, com a queda do ministério presidido por António José de Ávila, o marquês de Ávila e Bolama, foi nomeado, a 13 de Novembro de 1871, para o cargo de Ministro da Marinha e Ultramar do governo presidido por Fontes Pereira de Melo. Permaneceu neste cargo até 19 de Novembro de 1872, data em que se demitiu alegando doença.
Como Ministro empreendeu algumas reformas, mas defrontou-se com sérias dificuldades em resultado da revolta das tropas indígenas do Estado da Índia, que foi dissolvido e substituído por forças expedicionárias enviadas de Portugal.
Na legislatura seguinte voltou a ser eleito deputado, desta feita pelo círculo eleitoral de Goa, cumprindo no parlamento a legislatura de 12 de Janeiro de 1875 a 4 de Maio de 1878. A 15 de Março de 1878 proferiu na Câmara dos Deputados um notável discurso sobre a excessiva militarização da administração colonial portuguesa, que depois fez publicar como opúsculo.
Para além das suas funções políticas, foi nomeado director-geral da Câmara dos Deputados, iniciando em 1882 a publicação do ‘’Anuário da Câmara dos Deputados’’, um repositório de actividades parlamentares. Manteve-se neste cargo até se aposentar em 26 de Novembro de 1896.
O seu labor intelectual na docência do Curso Superior de Letras granjeou-lhe nomeada como intelectual, sendo em 4 de Maio de 1882 feito sócio efectivo da Academia Real das Ciências de Lisboa, instituição de que foi também secretário-geral.
Foi nomeado vice-presidente do Conselho Superior de Instrução Pública, organismo restaurado com competências reforçadas por Decreto de 23 de Maio de 1884, que substituiu a Junta Consultiva de Instrução Pública.
Apesar do Conselho ser presidido pelo Ministro do Reino, do qual dependiam então os assuntos da educação, era o vice-presidente quem, de facto, o dirigia. As alargadas competências e autonomia que o referido Decreto conferia ao Conselho e a crónica instabilidade política que se vivia, permitiram que Jaime Moniz dirigisse de forma estável e por largo período a política educativa portuguesa, operacionalizando diversas reformas, incluindo a reformulação do ensino secundário de 1894-1895, que ficou justamente conhecida por Reforma de Jaime Moniz. Aquela reforma influenciou o desenvolvimento daquele nível de ensino em Portugal até à década de 1930.
Quando na sequência da revisão constitucional de 1885 foi criada uma parte electiva na Câmara dos Pares do Reino, Jaime Moniz foi eleito como representante das corporações científicas, desempenhando aquele cargo entre 16 de Janeiro de 1886 e 5 de Janeiro de 1887, data em que a prte electiva daquela Câmara foi dissolvida.
Para além da sua actividade política, empreendeu diversos estudos científicos, em comissões de serviço especialmente autorizadas para esse fim, incluindo uma destinada ao estudo da existência de povos celtas na Península Ibérica.
Foi sócio de várias sociedades literárias e científicas, nacionais e estrangeiras. Foi sócio efectivo da Academia Real das Ciências de Lisboa, exercendo durante muitos anos o cargo de secretário daquela instituição, sucedendo no lugar a Latino Coelho e Pinheiro Chagas. Nessas funções elaborou diversos relatórios e memórias, alguns dos quais foram publicados.
Após o seu falecimento, por proposta da Academia Real das Ciências de Lisboa, em 1919 foi dado o nome de Liceu de Jaime Moniz ao Liceu do Funchal, a actual Escola Secundária Jaime Moniz.
Obras publicadas
  • Corpo diplomatico Portuguez, contendo os actos e relações políticas e diplomaticas de Portugal com as diversas potencias do mundo desde o século XVI até os nossos dias, publicado de ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa por Jayme Constantino de Freitas Moniz, 14 volumes, Lisboa, 1902-1910.
Notas
  1. Gazeta do Povo, n.º 336, de 1871.
  2. Processo e julgamento de José Cardoso Vieira de Castro, Lisboa, 1870.

Bibliografia

  • Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XVII, p. 632.
  • Maria Cândida Proença, A Reforma de Jaime Moniz, Antecedentes e Destino Histórico, Edições Colibri, Lisboa, 1997 (ISBN 972-8288-57-3).

Ligações externas

Nota do blogue: Deste artigo foram retirados alguns links.

Jaime Moniz - Escola Secundária Jaime Moniz

Está disponível no site da Escola Secundário Jaime Moniz um texto sobre este ilustre madeirense Jaime Constantino de Freitas Moniz.
http://81.193.248.222:2000/esjm/escola/historial/jaimemoniz.pdf

Jaime Constantino de Freitas Moniz - Elucidário Madeirense

Moniz (Jaime Constantino de Freitas). Foi um dos mais distintos filhos da Madeira no ultimo século decorrido. Nasceu na freguesia da Sé desta cidade a 18 de Fevereiro de 1837, sendo filho de António Caetano da Costa Moniz e de D. Eufemia de Freitas Moniz.
Terminados os preparatorios no Liceu do Funchal, matriculou-se na faculdade de direito da Universidade de Coimbra, em 1857, e concluiu a formatura em 1862, obtendo os primeiros premios em todos os anos de seu curso.
Logo se dedicou á advocacia, mas foi curta, embora brilhantissima, a sua carreira através dos tribunais. Neste periodo de sua vida, deu-se a lamentavel tragedia, que emocionou o país inteiro, de ter o deputado José Cardoso Vieira de Castro assassinado a sua propria mulher. 0 julgamento desta causa despertou um interesse até então nunca observado entre nós. Jaime Moniz encarregara-se da defesa do seu desgraçado amigo e antigo companheiro nas lides académicas. A causa foi das mais célebres que se julgaram em Portugal, e a defesa ficou assinalada nos anais do fôro português, como um dos mais brilhantes triunfos oratorios da eloquencia forense. 0 magistrado que representava a acusação dissera que Jaime Moniz era um verdadeiro meteoro que surgira a brilhar intensamente no fôro, ao que êle logo retorquiu-que era realmente um meteoro, não pelo brilho com que fulgia, mas pela rapidez com que passava-aludindo dêste modo á sua curta carreira de advogado, que em breve e para sempre abandonou.
Dessa brilhante defesa se ocuparam com os mais alevantados louvores Pinheiro Chagas e Camilo Castelo Branco, e os portugueses residentes no Rio de Janeiro enviaram uma coroa de ouro a Jaime Moniz, como preito de homenagem ao autor daquele monumental discurso. Esta oração e todo o processo do julgamento foram publicados num volume, de que se fêz larga tiragem, que em breve se esgotou.
Jaime Moniz também, percorreu como em geral outros homens de mérito da sua época, os meandros tortuosos da politica nacional, mas saíu incolume dêsse tremedal em que tantos chafurdam a própria dignidade. Foi deputado pelo circulo de Castelo Branco nas três legislaturas decorridas de 1870 a 1874 e pelo circulo de Goa na sessão legislativa de 1871 a 1875. Quando uma lei permitiu que os estabelecimentos e corpos cientificos elegessem um seu representante para a camara dos pares, foi Jaime Moniz escolhido unanimemente para desempenhar essa alta e honrosa missão. A estreia de Jaime Moniz no parlamento, em 1871, constituiu um verdadeiro acontecimento politico e logo conquistou os foros dum notavel parlamentar. Sempre que erguia a voz no seio da representação nacional, tôda a camara o escutava atentamente e os aplausos saíam espontaneos, ainda das bancadas da oposição. Os assuntos que predilectamente versava, e com indiscutivel autoridade o fazia, diziam respeito á instrução pública e a questões coloniais.
Com a queda do marquez de Avila e Bolama, foi em 1871 Fontes Pereira de Melo chamado a organizar um ministerio da sua presidencia, em que Jaime Moniz sobraçou a pasta da marinha, fazendo parte dêsse ministerio homens da envergadura de Rodrigues Sampaio, Barjona de Freitas e Andrade Corvo. Apesar de não ser longa a sua permanencia nos conselhos da coroa, o nosso ilustre patriciou deixou assinalada a sua passagem no Ministerio da Marinba e Ultramar, por medidas de grande alcance e ainda o seu nome é hoje citado como um dos estadistas que no nosso país não descuraram as questões coloniais.
Abandonando o fôro e a politica, Jaime Moniz consagrou tôdas as faculdades do seu espirito ao professorado, aos trabalhos da Academia e aos multiplos serviços da instrução publica. Em 1863, fêz concurso para a cadeira de filosofia e historia universal do Curso Superior de Letras, publicando a tese apresentada, que se intitula: Da natureza e extensão do progresso considerado como lei da humanidade e applicação especial dessa lei ás bellas artes. Como lente dêste estabelecimento de ensino superior, foi dos mais distintos, tendo como colegas no magisterio professores da estatura de Viale, Pinheiro Chagas, Adolfo Coelho e Teófilo Braga.
Era socio efectivo da Academia das Ciencias de Lisboa e por muitos anos exerceu o lugar de secretario da primeira Corporação cientifica e literaria do país, lugar que anteriormente tinha sido desempenhado por Latino Coelho e Pinheiro Chagas. A sua acção no seio dêste ilustre areópago salientou-se brilhantemente não só nos relatórios e memorias que redigiu como na organização que deu a alguns dos serviços internos da Academia, tomando além disso parte muito notavel em todos os seus mais importantes trabalhos.
Foi na antiga Junta Consultiva de Instrução Publica e depois no Conselho Superior de Instruçào Pública a que o conselheiro Jaime Constantino de Freitas Moniz presidiu por largos anos que a sua actividade mais notavelmente se evidenciou, tendo uma verdadeira paixão por todos os assuntos que se relacionavam com a instrução, a que consagrou uma parte consideravel da sua existencia. Escreveu muitos relatorios e pareceres, redigiu propostas de lei, proferiu discursos, foi ao estrangeiro em comissões de serviço, deu nova organizaçao àqueles corpos consultivos, etc., criando um nome que, na historia da instrução nacional, ficará aureolado por muitos titulos de benemerencia.
Jaime Moniz foi também director geral da secretaria da Camara dos Deputados e publicou alguns relatorios anuais acêrca dos serviços dessa repartição.
Pertenceu a muitas sociedades literarias e cientificas tanto nacionais como estrangeiras, e depois da sua morte foi, por proposta da Academia das Scienclas de Lisboa, dado o seu nome ao liceu do Funchal.
Morreu em Lisboa a 16 de Setembro de 1917.

sexta-feira, novembro 27, 2009

História da prostituição (...) - Pedro Dufour, Alfredo de Amorim Pessoa (1885-1887)

Dufor, Pedro - História da prostituição em todos os povos do mundo desde a mais remota antiguidade até aos nossos dias ... por Pedro Dufour, notavelmente ampliada e enriquecida com valiosos estudos por D. Amancio Peratoner e outros escriptores, e seguida de um importante trabalho sobre a Historia da prostituição em Portugal, desde os tempos mais obscuros da Lusitania até nossos dias por Alfredo de Amorim Pessoa, Historia, Lisboa, Empreza Editora de F. Pastor, 1885.
http://www.archive.org/details/histriadaprost01jacouoft


Dufor, Pedro - História da prostituição em todos os povos do mundo desde a mais remota antiguidade até aos nossos dias ... por Pedro Dufour, notavelmente ampliada e enriquecida com valiosos estudos por D. Amancio Peratoner e outros escriptores, e seguida de um importante trabalho sobre a Historia da prostituição em Portugal, desde os tempos mais obscuros da Lusitania até nossos dias por Alfredo de Amorim Pessoa, Tomo Segundo, Lisboa, Empreza Editora de F. Pastor, 1885.
http://www.archive.org/details/histriadaprost02jacouoft

Dufor, Pedro - História da prostituição em todos os povos do mundo desde a mais remota antiguidade até aos nossos dias ... por Pedro Dufour, notavelmente ampliada e enriquecida com valiosos estudos por D. Amancio Peratoner e outros escriptores, e seguida de um importante trabalho sobre a Historia da prostituição em Portugal, desde os tempos mais obscuros da Lusitania até nossos dias por Alfredo de Amorim Pessoa, Tomo Terceiro, Lisboa, Empreza Editora de F. Pastor, 1886.
http://www.archive.org/details/histriadaprost03jacouoft

Dufor, Pedro - História da prostituição em todos os povos do mundo desde a mais remota antiguidade até aos nossos dias ... por Pedro Dufour, notavelmente ampliada e enriquecida com valiosos estudos por D. Amancio Peratoner e outros escriptores, e seguida de um importante trabalho sobre a Historia da prostituição em Portugal, desde os tempos mais obscuros da Lusitania até nossos dias por Alfredo de Amorim Pessoa, Tomo Quarto, Lisboa, Empreza Editora de F. Pastor, 1887.
http://www.archive.org/details/histriadaprost04jacouoft


Pessoa, Alfredo de Amorim - História da prostituição em Portugal desde os tempos mais remotos da Lusitania até nossos dias por Alfredo de Amorim Pessoa. Estudo dos costumes do povo portuguez atravez dos seculos para servir de complemento à História da Prostituição por Pedro Dufor, Lisboa, Empreza Editora de F. Pastor, 1887.
http://www.archive.org/details/histriadaprost05jacouoft

Paisagens da China e do Japão - Wenceslau de Moraes (1906)

Moraes, Wenceslau de - Paisagens da China e do Japão, Lisboa, Viuva Tavares Cardoso, 1906.

Portugal e o Japão: Armando Martins Janeira e Wenceslau de Moraes (...) - Ingrid Bloser Martins

Portugal e o Japão:
Armando Martins Janeira e Wenceslau de Moraes,
duas personalidades humanas diferentes

Ingrid Bloser Martins

O "Bon-odori" em Tokushima (caderno de impressões intimas) - Wenceslau de Moraes (1916)

Moraes, Wenceslau - O "Bon-odori" em Tokushima (caderno de impressões intimas), Porto, Livraria Magalhães & Moniz - Editora, 1916.
http://www.archive.org/details/obonodoriemtokus00mora

quinta-feira, novembro 26, 2009

Agiológio Lusitano - Jorge Cardoso, D. António Caetano de Sousa (1652 - 1744)

Agiológio Lusitano : tomo I
Jorge Cardoso

Agiológio Lusitano : tomo II
Jorge Cardoso
http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6466.pdf

Agiológio Lusitano : tomo III
Jorge Cardoso
http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6465.pdf

Agiológio Lusitano : tomo IV
D. António Caetano de Sousa
http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6464.pdf

Agiológio Lusitano : estudo e índices
Maria de Lurdes Correia Fernandes
Nota: Impressão facsimilada promovida pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Tarcísio Trindade (Livraria Campos Trindade)

Os seguintes artigos do 1º Catálogo da Livraria Campos Trindade:

O MENINO E AS QUATRO ESTAÇÕES por Bernardo Trindade.
TARCÍSIO TRINDADE PERFIL CULTURAL E CÍVICO por António Valdemar.
TARCÍSIO TRINDADE OU A CULTURA E A MODÉSTIA DE MÃOS DADAS por Artur Anselmo.
O MEU QUERIDO AMIGO TARCÍSIO por Luis Bigotte Chorão.
DAMIÃO PERES E O PADRE CASIMIRO OU EVOCAÇÃO AMIGA DE UM PRÍNCIPEDO MUNDO DOS LIVROS por António Ventura.
O MEU AMIGO TARCÍSIO TRINDADE por António Pedro Vicente.

foram transcritos para este blog com a autorização do Sr. Bernardo Trindade ao qual deste já agradeço a amabalidade e gesto para com este vosso desconhecido.
A razão que me levou a publicar os artigos, que justamente homenageiam uma figura ímpar do mercado livreiro português, foram as pequenas / grandes e ricas histórias do livreiro, dos livros e dos seus clientes.
http://www.livrariacampostrindade.com/

O meu amigo Tarcísio Trindade - António Pedro Vicente

O MEU AMIGO TARCÍSIO TRINDADE

CONHECI OS PAIS DO TARCÍSIO quando era muito jovem. Teria 10 anos. Sucede que, por esse tempo, passava, com os meus irmãos, as férias no Norte, mais particularmente na Bairrada. Aí desfrutava os meses de Agosto e Setembro em casa de parentes generosos que me proporcionavam, anualmente, a grande aventura do afastamento de Lisboa. Nos primeiros dias de Outubro o meu Pai, cujo trabalho o inibia de férias prolongadas, vinha buscar-nos para iniciar o novo ano escolar. No seu Austin 8 cv, um carrinho de pouca potência, iniciava-se a grande aventura da longuíssima e perigosa viagem até Lisboa. Partia-se pelas 9 horas da manhã depois de atulhado o pequeno carrito com a família e as bagagens. À hora do almoço chegava-se, geralmente, aos arredores de Coimbra onde se celebrava o ritual de um piquenique. Depois, pelas cinco da tarde, era a entrada em Alcobaça. Aí residia, para mim, a parte mais importante da grande epopeia da época balnear. Alcobaça, efectivamente, seduzia-me, não tanto pelos seus monumentos, mas pela sempre lembrada visita à casa de antiguidades dos pais do Tarcísio. Era a magia dos objectos aí existentes que, acirrando a minha curiosidade, constituía a maior riqueza e compensação para suportar o infindável trajecto que, por esse tempo, constituía a viagem de Águeda a Lisboa. Entretanto, antes de chegar a Coimbra já tínhamos parado na Malaposta para cumprimentar o senhor Barbosa, proprietário da melhor oficina de automóveis da região. Aí residia uma paragem sedutora onde me deliciavam os seus automóveis antigos.
O agradável piquenique dos arredores de Coimbra, ao que me lembro, era sempre desfrutado com o bom tempo que, normalmente, caracteriza os primeiros dias de Outubro. Mas, Alcobaça, ou melhor, a casa comercial dos pais do Tarcísio constituía o ponto alto dessa interminável jornada. Aí, entre as inúmeras surpresas que ornamentavam este sedutor tipo de comércio encontrava as peças para quem, como eu, dava os primeiros passos no gosto pelo coleccionismo. Sempre no mesmo lugar, permaneciam, todos os anos, dois objectos que para mim se sobrepunham a todo o rico recheio destes conhecidos antiquários.
Nunca averiguei com exactidão, mas penso que hoje ainda ornamentam as casas dos descendentes, entre os quais figura o meu querido amigo Tarcísio Trindade. Uma dessas peças era uma cadeira negra, aparentemente vulgar, toda em madeira, onde me sentava e começava a ouvir uns acordes musicais que gravei para sempre. Os meus pais, zelosos dos interesses comerciais dos proprietários, recriminavam a minha ousadia. Outra peça, fronteira ao assento musical, era um quadro a óleo onde, entre o aglomerado de casas, surgia uma igreja cujo relógio da respectiva torre era verdadeiro. Era uma espécie da visão surrealista que se me deparava. Já me foi contada a história dessas duas peças, as quais, ao que me lembro, observei durante anos.
Depois, lá se prosseguia a viagem, até Lisboa, onde se chegava cerca da meia-noite. Nesses anos não tinha sequer conhecimento da existência do Tarcísio. Conheci-o, pouco após o 25 de Abril, já depois de ter saído dos calabouços onde, o antigo Presidente da Comarca de Alcobaça, tinha sido conduzido pela sua “actividade fascista”. Afirmo, desde já, que jamais conheci autarca mais amante da sua terra como este descendente dos antiquários que guardavam os meus tesouros alcobacenses. Muitos anos passados, e quando a estrada Porto-Lisboa já não passava por essa terra monumental, descia a Rua do Alecrim e deparei com uma ampla loja com milhares de livros amontoados no chão. Entrei e conheci um senhor muito simpático que percebi ser o locatário, o ex-Presidente da Câmara de Alcobaça, o filho dos antiquários e o célebre livreiro que, em Madrid, tinha descoberto o primeiro livro impresso em Portugal. Acabado de sair da cadeia, resolvera montar o seu negócio. Era o Tarcísio Trindade. A maravilhosa e sempre alimentada relação humana estava estabelecida desde esse dia. Tarcísio é civilizado, inteligente, modesto e principalmente, extraordinário conhecedor do livro antigo. Como afirmei e insisto, estavam dados os passos para uma amizade que permanece e que se estendeu a toda a sua família onde sobressai a simpatiquíssima Mafalda, a sua Mulher de sempre. A este agente intelectual muito devo, não só pelos livros que lhe adquiri, como pelos preços honestos que me proporcionou. Tarcísio Trindade constituiu um grande auxiliar na minha profissão. As peripécias da nossa relação são inesquecíveis, a começar pela entrada na sua loja onde a recepção é sempre calorosa. Depois, os diálogos enriquecidos pelas historietas relativas ao negócio que os livros proporcionam. A alegria manifestada quando tem “material” que interessa aos seus clientes / amigos e que particularizo na colecção de folhetos anti-napoleónicos e anti-revolucionários que ia descobrindo e guardava para este seu amigo. Uma sã intimidade nascida naquele dia dos livros amontoados no chão e que, pouco depois, eram colocados nas estantes “Olaio” ainda hoje repletas com a ajuda preciosa do filho Bernardo, também um querido amigo, que lhe sucedeu no gosto alfarrabista. Não esqueço a boa recepção a clientes ignorantes, um tratamento igual para todos. A mesma deferência que tem para com o consagrado coleccionador. Tantas vezes me sentei à mesa deste humilde mas sábio, o Amigo Tarcísio Trindade, inclusive no célebre 11 de Setembro que abalou os E.U.A. e o mundo, coincidindo com o seu aniversário.
Meu querido Tarcísio: prossiga com a mesma postura sábia e generosa e receba um abraço muito apertado, extensivo a todos os seus, deste muito admirador e amigo, e da Ana, minha mulher, que também lhe deseja muita saúde.
Lisboa, 10 de Julho de 2009

António Pedro Vicente

Damião Peres e o Padre Casimiro ou evocação de um príncipe do mundo dos livros - António Ventura

DAMIÃO PERES E O PADRE CASIMIRO
OU EVOCAÇÃO AMIGA DE UM PRÍNCIPE
DO MUNDO DOS LIVROS

JÁ LÁ VÃO MAIS DE TRINTA ANOS. Depois de um ano na Faculdade de Letras, numa passagem fugaz pelo curso de Germânicas, ingressei na Força Aérea Portuguesa, no curso de cadetes na Base Aérea da Ota. A partir de então, com um pouco mais de tempo depois da promoção a oficial, pude dedicar-me a uma paixão que tinha desde a escola primária – hoje já não se chama assim, talvez por ser politicamente incorrecto.
Essa paixão era e é a História. Em Lisboa, ensaiei as primeiras e tímidas incursões num mundo novo para mim, o mundo dos alfarrabistas. Alfarrabista! Palavra mágica, sonora, colorida, que foi a pouco e pouco sendo substituída por sinónimos mais tecnocráticos, mas sem dúvida menos belos. Numa dessas expedições entrei pela primeira vez no n.º 44 da Rua do Alecrim. Uma sala enorme, com estantes, mas desprovida das mesas que depois foram ali colocadas. Uma enorme pilha de livros bem encadernados acabados de chegar, chamou a minha atenção. Timidamente perguntei ao livreiro: «o que era aquilo». Ao que ele me respondeu: «é a biblioteca de Damião Peres». Comprei um desses livros, os Apontamentos para a História da Revolução do Minho em 1846, do padre Casimiro, e ainda me recordo do preço: 100$00.
Foi esse o meu primeiro contacto com Tarcísio Trindade e impressionou-me a sua simpatia e afabilidade para com um jovem desconhecido que entrava a medo nesse universo maravilhoso dos livros. Sempre que possível eu passava pela livraria na expectativa de encontrar qualquer coisa que podia ser um livro, um documento, uma gravura. Pequenas e grandes bibliotecas passaram por aquelas estantes. Recordo, a título de exemplo, a de Castelo Branco Chaves, com tantos livros sobre a França e a Revolução Francesa que me foram muito úteis, ou uma outra oriunda de Santarém, igualmente rica em obras sobre aquela temática. Nesses casos, a ida ao n.º 44 da Rua de Alecrim era em dias sucessivos, encontrando, por vezes, outros clientes com os quais havia sempre tema de conversa – António Valdemar, Bigotte Chorão, António Pedro Vicente…
Quantas histórias ali ouvi, quantas curiosidades, quantas informações úteis dadas por alguém que conhecia o meio como poucos e que, para além disso, aliava ao conhecimento uma generosidade sem limites. A pouco e pouco a relação livreiro-cliente foi sendo substituída por outra, onde a amizade e a mútua estima se tornaram cada vez mais evidentes e alargadas ao seu continuador, o Bernardo.
Ainda há pouco, olhando para a estante onde repousa o livro do padre Casimiro, recordei a história que antes relatei. E tantas histórias sobre tantos livros!
Para mim, Tarcísio Trindade é muito mais do que um livreiro que marcou profundamente o meio
lisboeta nas últimas décadas. É um Príncipe desse mundo mágico.Mas, acima de tudo, um Amigo e um Senhor. Um Senhor com um «S» grande, numa época em que impera a mediocridade, a venalidade e a falta de carácter.
Bem-haja por tudo, querido Amigo!

António Ventura

O meu querido amigo Tarcísio - Luís Bigotte Chorão

O MEU QUERIDO AMIGO TARCÍSIO

PASSARAM JÁ MUITOS ANOS sobre o dia em que pela primeira vez transpus a porta da Livraria Campos Trindade.
Recordo perfeitamente a silhueta de um Senhor, sentado a uma secretária ao fundo da loja, que, à minha entrada, se ergueu para me saudar. Trocámos cumprimentos e justifiquei a minha visita: curiosidade pelos livros antigos.
Porque os livros que estavam expostos não me tivessem chamado a atenção, centrei-me a apreciar as obras de referência, que impecavelmente organizadas se dispunham em estantes inacessíveis. A bibliografia, a história e importância dos livros sobre livros, e dos catálogos de bibliotecas, serviram de mote a uma primeiro diálogo com Tarcísio Trindade, em que, como em tantos outros ao longo do tempo, fui seu aluno e ouvinte atento.
Estava longe de pensar que esse encontro inaugurasse muito mais que uma relação pessoal cordialíssima, uma amizade verdadeiramente excepcional.
Tornei-me naturalmente uma visita frequente da Livraria Campos Trindade, e o passar do tempo haveria de cimentar uma relação de confiança que fez de Tarcísio um dos meus mais queridos amigos.
Não estranha, assim, que me seja gratíssimo dar aqui o testemunho de um convívio ininterrupto,
cimentado numa inabalável confiança recíproca.
Acompanhando-o, como o acompanhei, fui beneficiário da sua vastíssima cultura, e como todos os seus clientes, da sua correcção e seriedade impecáveis. Em muitas ocasiões o vi estudar as obras, contar os cadernos e as páginas, verificar as gravuras, para, na sua inconfundível caligrafia, as anotar num gesto de máxima lealdade para com os seus clientes. Como se não bastasse, fazia ainda questão de perguntar aos interessados se tinham lido os seus “alertas”; a sua consciência de profissional probo, não lhe consentia aproveitar-se do desconhecimento alheio. Eu próprio beneficiei dos seus avisos.
Conhecedor profundo do livro e da história da edição, Tarcísio Trindade foi meu permanente e sábio conselheiro. Devo-lhe o ter aprendido a não me precipitar, a saber esperar, a valorizar certas espécies bibliográficas consideradas “menores”. Tarcísio sugeria-me um exemplar mais “limpo” – garantindo- me que ele haveria de aparecer na sua loja, e não tenho memória que alguma vez se tenha equivocado –, e conhecendo, como poucos, os meus livros, permitiu-me, através de permutas, que ele próprio me sugeria, valorizar a minha biblioteca com exemplares, como sempre diz, “mais estimados”.
Tarcísio Trindade partilhou comigo muitas das suas alegrias como livreiro, não raro dando-me notícia antecipada das suas aquisições ou convocando-me para a hora de chegada das suas compras à Rua do Alecrim.
Em muitas ocasiões recebi pelo telefone pedidos seus para que me deslocasse à loja. Criava “suspense”, sugeria mesmo tratar-se de assunto pessoal, e à minha chegada abria-se num sorriso. O que estava lá à minha espera era a obra que eu vinha procurando; lembro-me que foi assim com a colecção da Seara Nova, com a da Ilustração Portuguesa e outras mais.
Discretíssimo, e de uma enorme modéstia, só a meu pedido me ofereceu, com uma dedicatória tocante,o seu premiado Os Meninos e as Quatro Estações. Preferia não falar de um seu sucesso, reconhecido, aliás, expressivamente, por António José Saraiva e Óscar Lopes.
Mas Tarcísio Trindade não é só o Homem de cultura, o poeta roubado à escrita pelo amor dos livros. Como cidadão continua a cumprir a sua missão de serviço aos outros. Antes, como Presidente da CâmaraMunicipal, depois, como autarca apaixonado pela sua terra noutras funções, de há muito tempo a esta parte como Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça.
De Tarcísio Trindade recebi ao longo dos anos testemunhos inesquecíveis da sua amizade e imensa generosidade, mas sobretudo desejo registar aqui o sentimento de gratidão pelo muito que me ensinou.

Lisboa, 5 de Abril de 2009
Luís Bigotte Chorão

Tarcísio Trindade ou a cultura e a modéstia de mãos dadas - Artur Anselmo

TARCÍSIO TRINDADE
OU A CULTURA E A MODÉSTIA DE MÃOS DADAS

TEVE TARCÍSIO TRINDADE A SORTE de nascer e crescer entre antiguidades. Na Alcobaça dos anos 40 e 50 do século XX, a loja dos pais (António e Alice) guardava o ambiente típico do comércio europeu desenvolvido à sombra dos grandes conventos e abadias: mercadoria seleccionada a pensar nos turistas, tanto mais que a vila beneditina era então ponto de paragem quase obrigatória para quem viajava de carro entre Lisboa e Porto. Cerâmica em profusão, mobiliário, artesanato, livros antigos, estampas, peças de colecção, pergaminhos iluminados, objectos de “Art and Vertu”, pinturas, esculturas e desenhos, relógios, tapetes orientais, arte sacra e arte africana, “snuff boxes”, filatelia, loiça chinesa, armaria, mapas, postais, havia muito por onde escolher. Com uma nota curiosa: cada objecto, na sua riqueza ou na sua modéstia, era exposto no lugar mais adequado.
Este cuidado com a apresentação da mercadoria é, sem dúvida, hábito familiar inveterado, de que facilmente se apercebe quem entra na lisboeta Livraria Alfarrabista da Rua do Alecrim, onde
Tarcísio Trindade se instalou na década de 70: todos os objectos em exposição, depois de limpos e devolvidos à sua frescura original, são arrumados, como manda a melhor tradição do display comercial, da maneira mais conveniente a um exame dos seus traços fundamentais. Nada de atropelos, nada de misturas ao arrepio da própria natureza das coisas, nada de barafundas: cada objecto integrado no ambiente do interior da loja, como se, mesmo antes de mudar de mãos, estivesse já a viver uma vida autónoma. Aliás, a tradição familiar mantém-se também na actividade comercial de João e António, dois dos irmãos de Tarcísio Trindade que o seguiram na carreira de antiquário: as suas lojas, igualmente situadas na Rua do Alecrim, espelham essa preocupação de bom gosto disciplinado, que torna mais atraentes os objectos em exposição.
No caso particular do livreiro Tarcísio Trindade, o geometrismo do interior da loja reflecte o espírito alinhado do proprietário, e até a sua formação intelectual: sólida preparação clássica nas Humanidades, excelente aptidão cultural em áreas afins (música, artes plásticas, mobiliário, coleccionismo de alta curiosidade), domínio absoluto da técnica tipográfica, iconográfica e litográfica. Sobre tudo isto, um pendor natural para a análise psicológica, para a convivialidade e para a empatia com os seus clientes. Alguns destes prezam atentamente as notas manuscritas que o lápis n.º 1 de Tarcísio escreve no verso do anterrosto dos livros que tem à venda: lembro, ao acaso, as que lhe vi lançar em exemplares de obras de Damião de Góis, Fernão Mendes Pinto, Frei Bernardo de Brito (tanto o historiador da Monarquia Lusitana como o suposto autor da Sílvia de Lisardo), e bem assim em edições raras da Marília de Dirceu, d’O Crime do Padre Amaro ou das Horas de Luta, sem esquecer o primeiro livro impresso no Brasil, de que localizou uma variante datada de ... 1247, em vez de 1747.
Desde a época em que Tarcísio Trindade frequentava o Direito e a Poesia, o pai António deu-se conta de que o filho tinha um jeito especial para o comércio de antiguidades, e particularmente para os livros e papéis antigos, fossem os alcobacenses (de que, entretanto, começara a formar uma colecção de qualidade insuperável), fossem os clássicos portugueses e espanhóis, a par de pontos fortes da bibliofilia internacional: a Brasiliana, a Judaica, a Orientalia, a Americana Vetustissima, a Inquisição, o Sigilismo, etc. Assim, quando, um dia, Tarcísio lhe apareceu encartado de viaturas automóveis, logo surgiu, pronta, a autorização de que o filho se metesse a caminho das minas ibéricas, então ainda bem recheadas do que restava dos opulentos espólios dos conventos nacionalizados pelo liberalismo, das casas abatidas pela reforma vincular, das bibliotecas dos barões luso-brasileiros que os seus herdeiros analfabetos deixavam apodrecer. Eram os tempos em que Carranca Redondo, de trincha em punho, coloria as bermas das estradas portuguesas de publicidade ao Licor Beirão: tempos duros para a classe média agrícola de Portugal e mais ainda para todas as franjas sociais da Espanha. Como estranhar, pois, que mercadoria biblíaca de todo o tipo e feitio afluísse ao mercado de colportage? Não era verdade que, em Roma, coração da cultura europeia, se vendiam incunábulos nos passeios das ruas, a seguir à guerra de 39-45? Em Espanha, principalmente, a oferta era tanta que, não raro, o jovem
livreiro português via-se obrigado a restringir as compras ao volume da mala do carro.
Os clientes de Tarcísio Trindade conhecem-no, hoje, como um reputado bibliólogo (sem dúvida, um dos mais cultos e mais esclarecidos do mercado português), mas nem todos saberão que os primeiros passos da sua carreira comercial foram dados em torno da pintura, da arte sacra e do mobiliário. De terra em terra, comendo aqui, dormindo acolá, sem eira nem beira – como o Carranca do Licor Beirão –, o jovem Tarcísio mergulhava nas profundezas do património cultural
ibérico e, de malas aviadas, regressava a Alcobaça com a sensação de ter aprendido sempre um pouco mais. Por vezes, durante as viagens, só chegava a tomar conhecimento da mercadoria no quarto da pensão em que se hospedava, como sucedeu em 1965, quando, desfolhando uma miscelânea de incunábulos italianos e ibéricos, se lhe deparou um exemplar do mais antigo livro impresso na língua portuguesa: o Tratado de Confissom, executado em Chaves, por um tipógrafo anónimo, em 1489.
Perguntando um dia a Tarcísio Trindade qual a zona do país onde encontrara os testemunhos
mais surpreendentes do património bibliográfico, respondeu-me, sem hesitar, que essa lhe parecia ser a região de Lamego e de Tarouca. Mas não deixou de salientar a estupenda qualidade dos livros de algumas bibliotecas particulares da velha Lisboa (Madragoa, Bairro Alto, Alfama, Castelo, Mouraria) e do Alentejo, sem esquecer a biblioteca dos familiares de Pedro Ivo, nos arredores do Porto, os magníficos fundos do livreiro Francisco Moreira Sénior, na Amadora, ou, entre tantos outros espólios, o do marechal Carmona e o do doutor Júlio Dantas.
Já contei algures a história de uma biblioteca defendida por espessa cortina de teias de aranha, que Tarcísio Trindade teve o gosto de ressuscitar, em Alfama, de uma divisão palaciana onde ninguém entrava há dois séculos. Lembro-me do espanto com que ouvi da sua boca a descrição das preciosidades que os aranhiços souberam manter incólumes graças ao manto branco tecido à volta das estantes. E, no que toca aos numerosíssimos clientes que com ele privaram, como esquecer aquele gerente bancário de Leiria, possuidor de todos os primeiros livros de Miguel Torga com dedicatórias do autor, que, estando de candeias às avessas com o seu ex-amigo, decidiu passar esses livros preciosos para mãos estranhas?
Gostaria ainda de aludir a um traço do carácter de Tarcísio Trindade que sempre me fascinou: a sua natural modéstia perante o pedantismo de alguns clientes. Quando um destes, dos tais que “bebem do fino”, tenta impressioná-lo com torrentes de informação bibliográfica que Tarcísio está farto de conhecer de cor e salteado, não se julgue o livreiro capaz de repetir o dito do rei D. João Carlos de Espanha (“Por que no te callas?”). Nem pensar nisso! Pelo contrário, fixando bem nos olhos o finório, deixa cair simplesmente este comentário:
– Muito interessante o que me está a dizer, muito interessante...
Artur Anselmo

Tarcísio Trindade: perfil cultural e cívico - António Valdemar

TARCÍSIO TRINDADE
PERFIL CULTURAL E CÍVICO

LIVREIRO ALFARRABISTA de projecção nacional e internacional, Tarcísio Trindade tem lugar de evidência na história da cultura portuguesa. Possui conhecimento profundo da introdução e difusão da tipografia europeia nos séculos XV e XVI e das espécies bibliográficas mais famosas que existem, dentro e fora de Portugal, em bibliotecas públicas e privadas.
A sua loja, na Rua do Alecrim, tornou-se, presentemente, a última tertúlia erudita de Lisboa frequentada por intelectuais, artistas e coleccionadores portugueses e estrangeiros. Pode classificar-se uma antecâmara da Academia das Ciências, da Academia da História e até da Academia Nacional de Belas-Artes. Ali têm sido adquiridas «raridades insignes» para citar uma classificação habitual em estudos e memórias bibliográficas, e que, juntamente com os preciosos esclarecimentos de Tarcísio Trindade, vieram alterar, por completo, muitas teses conhecidas.
O caso mais significativo refere-se à localização e à informação devidamente fundamentada, pelo próprio Tarcísio Trindade, do mais antigo livro impresso em Portugal, o Tratado da Confissom (Chaves, 1489). A partir desta revelação, Pina Martins, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, sócio efectivo da Academia das Ciências e da Academia Portuguesa de História, conseguiu apresentar, na Sorbonne, e perante um júri presidido por Marcel Bataillon – mestre eminente de estudos humanistas e renascentistas – uma tese universitária que modificou, na época, tudo quanto estava publicado acerca do início da tipografia em Portugal.
Ruben Borba deMoraes – que procedeu, no Brasil, a um inventário bibliográfico semelhante ao que Barbosa Machado e Inocêncio fizeram em Portugal – procurou Tarcisio Trindade numa das suas visitas a Portugal. Esse contacto permitiu-lhe completar o levantamento exaustivo dos primórdios da tipografia no Brasil.
Trata-se da Relação da entrada que fez o excellentissimo, e reverendíssimo senhor D. Fr. Antonio do Desterro Malheyro Bispo do Rio de Janeiro, em o primeiro dia deste prezente Ano de 1747 (…), a primeira obra impressa no Brasil por António Isidoro da Fonseca que já se havia notabilizado com a edição das obras poéticas e teatrais de António José da Silva, o Judeu, tragicamente queimado em auto-de-fé pela Inquisição em Lisboa, devido à sua origem familiar.
A quase totalidade da edição foi apreendida e retirada de circulação. O confisco e destruição deveu-se ao facto do estabelecimento da imprensa no Brasil ser considerado «perigoso e nocivo» aos interesses da Metrópole. Por outro lado, a censura exercida pelo Tribunal do Santo Oficio funcionava em Lisboa. Esta determinação inexorável prolongou-se até 1808, altura da transferência da Corte para o Rio de Janeiro.
Só conhecia apenas Rubem Borba de Moraes os seguintes exemplares da Relação da entrada do bispo Malheiro: dois na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (um dos quais proveniente da colecção Barbosa Machado e que foi para o Brasil com a Corte); um na Catholic University of America, em Washington (incluído na doação de Oliveira Lima); outro na biblioteca de Nova Iorque; e ainda mais outro na Biblioteca da Universidade de Coimbra. Mas além destes também havia exemplares da Relação da entrada do bispo Malheiro, com uma gralha na data da impressão (em vez de MDCCXLVII (1747) saiu impressa MCCXLVII (1247)): o da Biblioteca do Itamarati e o da Biblioteca de Nova Iorque. Eram as raridades da raridade. Borba de Moraes ficou a ter mais outro que lhe vendeu, nos anos 60, Tarcísio Trindade.
Hoje integra o acervo de José Mindlin, um dos maiores coleccionadores de livros de todo o mundo, que possui a maior biblioteca particular de língua portuguesa. Tive o privilégio de conhecer pessoalmente José Mindlin, na loja da Rua do Alecrim de Tarcísio Trindade, numa das suas passagens por Lisboa. Era, ao tempo um jovem, com mais de 90 anos e ainda não tinha entrado na Academia Brasileira de Letras.
Houve uma empatia recíproca neste encontro. Ofereceu-me, depois, o livro da sua autoria Destaques da Biblioteca InDisciplinada de Guita e José Mindlin, uma edição de luxo da Biblioteca Nacional do Brasil que nos coloca em face da evolução da tipografia e outras artes gráficas, assim como da história do Brasil em múltiplos sectores.
Mas regresso, nesta breve evocação, ao universo inesgotável do livreiro alfarrabista de projecção nacional e internacional Tarcísio Trindade, que é, há longos anos, um dos meus amigos de eleição. Uma amizade que se estendeu à sua família, em particular a seu filho Bernardo Trindade, continuador de seu pai e com o qual tem aprendido muito mais do que lhe proporcionou a licenciatura em História.
Também frei Maur Cocheril, o maior especialista da história e difusão da Ordem de Cister na Península Ibérica ficou a dever a Tarcísio Trindade elementos de extrema importância a propósito de Alcobaça e da presença claravalense noutros pontos do país, desde os primórdios da nacionalidade. Maur Cocheril manifestou o seu reconhecimento:
«À Tarcísio, personnage officiel – ce qui est peu. Mon ami – ce qui est tout.»

Director e colaborador assíduo de jornais e revistas de Alcobaça, Tarcísio Trindade publicou obras de criação literária. O seu livro de poemas Os Meninos e as Quatro Estações mereceu destaque numa das edições da História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes. Não se limitou, contudo, Tarcísio Trindade à actividade profissional. Ao longo dos anos tem manifestado dedicação incomum por Alcobaça, terra onde nasceu e à qual consagrou grande parte da sua vida no exercício de funções na administração autárquica e nos sectores da solidariedade social. Como Presidente da Câmara e no domínio das obras públicas tomou decisões fundamentais na construção e reabilitação urbanas, electrificação, abastecimento de água , saneamento básico e viação rural. Foi, todavia, na área da educação, no início dos anos 70, com o apoio de Veiga Simão, ministro da Educação, que Tarcísio Trindade desenvolveu todos os esforços até haver em Alcobaça e no seu concelho a introdução e oficialização do ensino secundário completo (a cargo da Câmara, um caso único no País); a oficialização da Escola do Ensino Preparatório da Benedita, a criação da Escola do Ensino Preparatório em São Martinho do Porto; a construção de Escolas do Ensino Primário e do Pavilhão Gimnodesportivo de Alcobaça, um dos primeiros erguidos no país. Milhares de jovens sem recursos económicos passaram a adquirir formação escolar e habilitações oficiais que, antes, só existia para os beneficiados da fortuna que se deslocavam para Coimbra e Leiria. Toda esta acção de Tarcísio Trindade, na presidência da Câmara de Alcobaça, transformou radicalmente o concelho e reflectiu-se, de forma assinalável, no centro do país.
Nas últimas décadas, Tarcísio Trindade, na presidência da Assembleia Municipal de Alcobaça, na presidência da ADEPA (Associação para a Defesa do Património Cultural de Alcobaça) e, sobretudo, como Provedor da Misericórdia, levou a efeito muitas outras realizações. Retirou do convento serviços públicos e de interesse público que permaneciam em circunstâncias degradantes. Deixou de funcionar ali o tristemente célebre asilo de mendicidade para nascer um lar de terceira idade, construído de raiz e, sob todos os aspectos, verdadeiramente modelar.
Por tudo isto, a Chancelaria das Ordens Honoríficas Nacionais atribuiu a Comenda da Ordem de Mérito a Tarcísio Trindade que lhe foi entregue, em Alcobaça, pelo Presidente da República, Jorge Sampaio. Também a Academia Nacional de Belas-Artes elegeu, por unanimidade, Tarcísio Trindade para sócio correspondente.
Assim se prestou justa homenagem a Tarcísio Trindade pelas muitas obras que promoveu de largo alcance social e reconhecida projecção cultural. Restituiu o conjunto monumental do mosteiro de Alcobaça classificado pela UNESCO no Património da Humanidade à sua dignidade multissecular. Criou condições, naquele espaço, marcado pela história e tradição, para implantar um projecto que conduz à identificação da população com as suas raízes, estimulando também a intervenção cultural e cívica para responder aos desafios do nosso tempo e aos imperativos do futuro.

António Valdemar

O menino e as quatro estações - Bernardo Trindade

O MENINO E AS QUATRO ESTAÇÕES

FOI COM 25 TOSTÕES, com a venda de um postal, que, sentado nos degraus de um escadote que ainda utilizo todos os dias, iniciei o meu caminho na livraria do meu pai. Tinha 6 anos e todos os clientes achavam graça a um miúdo tímido que se entretinha a “aviar” postais antigos como se fossem trocas de cromos com os amigos. A loja, naquele momento, era o meu mundo.
Todos nós, pais e irmãos, tínhamos vindo de Alcobaça, depois de tempos muito difíceis, que só
mais tarde compreendi, e vivíamos dentro da livraria. Pouca gente sabe ou recorda este facto, mas o certo é que o vejo como fundamental para a minha formação como homem e como livreiro.
A história da Livraria Campos Trindade é a história da minha família e este sítio, sem dúvida diferente e especial, nasce da força e perseverança da pessoa que hoje todos homenageamos, Tarcísio Trindade, o meu pai.
Não é fácil falar de uma pessoa que acompanhei todos estes anos, não é fácil falar de uma pessoa tão complexa, o meu maior e, ao mesmo tempo, mais inacessível amigo, que sempre me estendeu uma passadeira estreita, sim, mas incrivelmente firme, que me permitiu ser quem sou hoje no meio do livro antigo.
Foi a observar e a acompanhar diariamente o seu trabalho que aprendi tudo o que sei sobre esta profissão e seus segredos e a ele devo tudo o que consegui construir todos estes anos.
Conheci e conheço muitos livreiros, mas nenhum como o “senhor Trindade”, com um à-vontade tão grande no domínio do livro antigo português, com perfeita noção dos livros que via, comprava e vendia, tudo isto acompanhado de uma generosidade única, muitas vezes incompreendida, inclusive por mim.
O gozo desta profissão, no meu pai, sempre esteve no acto de descobrir os livros e também no que proporcionava aos amigos, clientes e livreiros ou futuros livreiros, iniciando também muita gente no comércio do livro antigo. Sempre descobrir e passar a alguém que, se quisesse, podia brilhar, mas o verdadeiro gozo, o de descobrir e trazer para o mercado coisas únicas e raras, já estava realizado e isso bastava-lhe. Foi esta postura que lhe permitiu, penso eu, ter hoje o estatuto que possui e a admiração de todos, os amantes do livro antigo e os seus colegas de profissão. Vivi algumas dessas descobertas, como quando folheei, ainda muito novo, um exemplar impecável dos dois volumes da primeira edição do Dom Quixote de Cervantes, ou mais tarde, quando descobrimos e comprámos juntos uma primeira edição dos Caprichos de Goya; e nasci de uma outra, da descoberta do primeiro livro impresso em português, o Tratado de Confissom, que permitiu aos meus pais juntar o necessário para iniciar uma vida a dois.
Espero ainda poder descobrir muito mais coisas e espero estar à altura de tudo o que o meu pai criou e proporcionou, agora que começo um novo capítulo da minha vida e da nossa livraria.
Com este 1.º Catálogo iniciamos um tipo de relação com os nossos amigos e clientes que não era habitual até aqui, mas que irá tornar-se realidade sempre que acharmos pertinente e necessário.

Bernardo Trindade

Miguel Torga uma bibliografia - Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Centenário do nascimento de Miguel Torga (1907-2007) : uma bibliografia, Faculadade de Letras da Universidade do Porto, Biblioteca Central, Porto, 2007.
http://ler.letras.up.pt/site/default.aspx?qry=id01id1158&sum=sim

Camiliana Catálogo - Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Camiliana Catálogo, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Biblioteca Central, Porto, 2001.
http://ler.letras.up.pt/site/default.aspx?qry=id01id166&sum=sim

A biblioteca de Jorge Cardoso autor do Agiológio Lusitano - Maria de Lurdes Correia Fernandes

Fernandes, Maria de Lurdes Correia - A biblioteca de Jorge Cardoso (1669), autor do Agiológio Lusitano : cultura, erudição e sentimento religioso no Portugal Moderno, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2000.
http://ler.letras.up.pt/site/default.aspx?qry=id01id1206&sum=sim

A Madeira e a mobilidade no Mundo de Expressão Portuguesa de Artistas e Artífices (...) - Rui Carita

A Madeira e a mobilidade no Mundo de Expressão Portuguesa de Artistas e Artífices.
A necessidade de constituição de um banco de dados para Artistas e Artífices no Mundo de Expressão Portuguesa.

Antero de Quental e Alberto Sampaio. A amizade na diferença - Ana Maria Almeida Martins

Quando Luís de Magalhães teve a ideia de consagrar a Antero de Quental um In Memoriam, um dos primeiros nomes que lhe ocorreu para colaborar nesse livro foi o de Alberto Sampaio, porque conhecia bem, e fora, aliás, testemunha pessoal, da grande amizade que sempre os unira.
A contribuição de Alberto Sampaio, o ensaio "Recordações", esteve para ser, inicialmente, uma carta dirigida ao próprio Luís de Magalhães, ideia que veio a abandonar, não sem antes confessar que sentia grandes dificuldades na elaboração desse escrito, o que não era de estranhar dado o estado de consternação em que se encontrava depois de ter tido conhecimento do terrível desenlace do dia 11 de Setembro de 1891 em Ponta Delgada.
A uma pergunta de Luís de Magalhães acerca da correspondência de Antero que teria guardado, respondeu-lhe: "possuo grande quantidade, algumas muito notáveis. Todavia, apesar da sua importância, estou certo que se não podem publicar, pelo menos nesta geração, visto o tom de intimidade. Quando tivermos de nos encontrar eu lhas mostrarei, e penso que será da minha opinião".
Veio, porém, a inserir alguns excertos, precisamente no artigo para o In Memoriam, suprimindo-lhe certas passagens. "Nenhuma supressão altera porém o sentido. Entendi que devia fazê-lo atendendo a que não foram escritas para o público".
Quis o destino, nestas coisas fundamentais e decisivo, que estas cartas (ou parte delas) viessem a ser conhecidas só cerca de um século mais tarde. Elas revestem-se de uma característica que as torna únicas no conjunto epistolográfico anteriano. Além deste, não existe por enquanto mais nenhum, ao mesmo destinatário que, tendo começado ainda em Coimbra, durante a época universitária, se prolongue por quase trinta anos, até cerca de um mês antes da morte.
São, e Sampaio bem o reconheceu, cartas verdadeira-mente pessoais e íntimas. Aqui e ali, surgem factos em absoluto ignorados dos seus biógrafos, nomeadamente de José Bruno Carreiro, que não se poupou a esforços para as conseguir, porque pressentia a sua importância.
A primeira e mais surpreendente revelação é a intenção de assentar praça como voluntário nos Zuavos Pontifícios, do Vaticano, no Verão de 1868: "Que humorismo profundo em todos os contrastes de uma tal vida. Ateus a manterem guarda ao Vaticano! Socialistas a defenderem o poder temporal do Papa!"
É sabido que nunca Alberto Sampaio se assumiu como socialista e as propostas do amigo para que o acompanhasse a Roma ("o mundo originalíssimo de aventureiros" que corria a defender the old gentleman, como os ingleses chamavam ao Papa) não só não o entusiasmou, como o terá deixado perplexo. Tão perplexo, ante essa projectada aventura para que fora convidado, que se apressou a escrever para São Miguel, ao seu antigo condiscípulo de Coimbra, Francisco Machado de Faria e Maia, perguntando-lhe se Antero não teria enlouquecido. Conhece-se a resposta deste: "Tenho a participarte que o Antero não endoideceu. Vive aqui sofrendo do estômago, um
pouco incomodado do sistema nervoso, mas a cabeça regula bem, e tão bem como era de desejar que regulasse a dos que o fazem passar por doido". Resta saber se esse boato chegou a correr, ou se o próprio Alberto Sampaio o terá inventado para, mais afoitamente, poder indagar do estado mental do seu amigo.
Realmente, Antero e Alberto Sampaio eram muito diferentes um do outro. Em Coimbra, é certo, vamos encontrá-los juntos em diversas ocasiões: ambos presos por desordens de caloiros; presentes na pequena revolta vitoriosa da Sala dos Capelos, com assinatura conjunta no Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à Opinião Ilustrada do País, e no êxodo para o Porto durante a Rolinada.
Mas, uma vez terminado o curso, com o regresso a Guimarães, Alberto Sampaio "assentou". Por isso os projectos romanos do seu amigo (quando as verduras da mocidade já deveriam ter terminado) lhe pareceram tão absurdos que logo os atribuiu a algum acesso de loucura e nunca, mas nunca, pensou em os divulgar. Assim como não deixou que viesse a público o projecto espanhol, do qual se conhece por enquanto tão pouco. Diz Antero numa carta de finais de 1868: "Há quatro ou cinco dias que estão abertas negociações com democratas de Madrid (Partido Castellar) para me receberem como escritor português no jornal democrático e ibérico que vão fundar... Para dar peso à proposta publicar-se-á brevemente um panfleto meu, com o título Portugal Perante a Revolução de Espanha no sentido das ideias daquela gente, que são também as minhas, iberismo com o federalismo de toda a península... Acho que resolvida esta questão vamos muito melhor, o que não quer dizer que não vamos ainda com ela mal resolvida. Vamos sempre, porque eu lá coloco-me no jornalismo democrático facilmente".
"Vamos sempre" - onde? Eis o que Alberto Sampaio nunca quis esclarecer, talvez porque nunca tivesse tido intenção de ir.
A consciência do proprietário, do terratenente, foi decisiva para Sampaio. Desde cedo a lavoura o interessou de tal modo que a ela se veio a dedicar em detrimento do seu curso de Direito.
Em Antero, pelo contrário, essa consciência, desperta numa das suas viagens à ilha natal, inspira-lhe também sentimentos de proprietário, é certo, mas que nada tinham a ver com organizações agrícolas. Explica-a numa carta a Germano Meireles, de Abril de 1866: "Mas eu nesta viagem experimentei uma coisa nova para mim: a consciência do proprietário. Pondo os pés em chão meu, alegrei-me por nós, porque vi nesses palmos de terra que me hão-de pertencer, não uma riqueza, mas um refúgio para nós - nesses campos um deserto para onde conduzirmos os nossos deuses exilados"
Que cedo a agricultura se transformou na principal actividade de Alberto Sampaio, não o desconhecia Antero. Assim o demonstra ao escrever conjuntamente aos seus amigos da cidade berço, estranhando-lhes a falta de notícias: "O vosso silêncio fez-me pensar que não estareis por essas regiões ou então que vos ocupais em resolver praticamente os mais altos problemas da agricultura e economia rural". E ao longo das cartas abundam as alusões a assuntos agrícolas: quando se regozija com a pujança dos bogangos (cujas sementes certamente providenciara) " que como bons ilhéus, não querem fazer má figura diante das hortaliças continentais", quando pede informes sobre a sarradela, para um seu amigo agrónomo francês, ou ainda, já em Vila do Conde, na altura de aformosear o seu "quintalório" de onde banira couves e nabos e se propõe convertê-lo numa espécie de jardim pomar: "Já cá encontrei uma latada, duas laranjeiras e um pessegueiro; mas ainda haveria lugar para mais cinco ou seis árvores de fruto, assim como pelos muros alguma trepadeira florente. Poderás tu trazer-me algumas sementes ou estacas dalguma
coisa que sirva neste caso?... O Oliveira Martins fornece planta de morangos e umas canas ornamentais que dão plumas. Mas em nada se mexeu ainda, esperando a tua vinda, e o auxílio e conselho - ope et consilio - dum jardineiro e em geral agrícola da tua força!
E não se devem esquecer as referências aos vinhos minhotos, cuja oferta tantas vezes agradece e elogia: "Já libei os teus néctares minhotos. Como originalidade, ponho o clarete acima de tudo: criaste nele um tipo. Ao seco, acho-o seco demais, e no género fino, prefirolhe o bastardo. O outro, que não traz nome, também me agrada. Em conclusão: como tipo, ponho o clarete em primeiro lugar, e ponho em último o seco que ainda assim se bebe com gosto. De tudo vou libando e degustando, mas não segundo o teu programa, que parecia feito para a mesa dum epicurista! Ora a minha é monacal!"
Ou ainda: "Do teu vinho, que já tenho libado, dir-te-ei maravilhas. É em tudo digno da reputação que no ano passado alcançara e que fica agora inabalável. Este teu produto prova uma coisa, e é, que se os lavradores do Minho, em vez de estragarem a uva fazendo uma zurrapa de bárbaros, fizessem daquilo, podiam criar um tipo de vinho para ser muito nomeado, e dar-lhes bastante interesse. Verdade é que o que eles fazem, tal como é, vendem-no e bebem-no perfeitamente. Mas é incrível como nós estragamos as nossas matérias-primas!"
Bem cedo Antero se apercebeu que o feitio calmo e ponderado do seu amigo lhe era salutar, transmitindo-lhe uma serenidade benéfica. Quando da viagem para Paris, na hora da despedida, assim o deixa transparecer: "De todos os meus amigos, parece-me que a nenhum escrevo nesta hora com tão bom ânimo como a ti, porque a nenhum deixo num estado de espírito que me inspire tanta confiança e em circunstâncias dentro e fora de si, que tanto auxiliem. O velho lirismo, a visão do ideal antigo persegue-te menos; tens mais paz no temperamento e a experiência tem-te aproveitado mais".
E quando o projecto parisiense começou a ruir, a carta mais angustiada e o pedido de socorro mais aflitivo vêm para Guimarães. A desilusão é aí tão sentida, tão sofrida, tão real, que Sampaio não hesitou em publicar alguns excertos no In Memoriam, porque nessa carta, Antero, ainda na verdura dos seus vinte e cinco anos, já deixa transparecer a dicotomia em que se debaterá durante toda a vida: entusiasmo depressão, actividade inércia, esperança desespero: "Escrevo-te do fundo da mais profunda tristeza" e não se envergonhava de o confessar ao amigo. Paris desiludira-o completamente. Nada lhe interessava naquela louca capital do Segundo Império que se preparava afanosamente para a Exposição Universal de 1867. E não podia honradamente aparecer à família senão passado um ano, pois não queria que supusessem que a tentativa de emprego em que se empenhara não passaria de uma farsa de rapaz para apanhar dinheiro e viajar. Por isso perguntava a Alberto Sampaio e ao irmão se o poderiam albergar durante um ano
ou associá-lo aos trabalhos de lavoura até ele poder desassombradamente desembarcar em Ponta Delgada. Pedia-lhes por fim que não comunicassem a ninguém, nem mesmo aos amigos mais próximos, o conteúdo daquela carta.
O pedido foi prontamente atendido e Antero regressou incógnito, para se restabelecer daquela profunda depressão, na quinta de Santa Ana perto do Mosteiro da Costa em Guimarães. E durante toda a sua vida pode sempre contar incondicionalmente com os seus amigos Sampaios. Em 1875, no período aguda da doença, quando os médicos desesperavam de o curar e já só lhe receitavam viagens, ele pede informações acerca da possibilidade de estanciar em Braga ou Guimarães durante uma temporada, preferindo a cidade berço, mas julgando que a dos arcebispos estaria melhor apetrechada em termos hospitalares. Mas a resposta vem ao encontro dos seus desejos: "Decididamente o berço da monarquia é uma terra de grandes recursos, e compreendo e admiro a profunda sagacidade de que deu prova o conde Dom Anrique escolhendo-a para a sua corte! Reconheço também gostosamente que têm mais utilidade do que eu julgava as confrarias, e que é grande o seu espírito de tolerância, pois assim abrem os braços a um livre pensador inválido. Abrirei de ora avante, nas minhas invectivas ímpias, uma excepção honrosa em favor da Confraria de S. Domingos".
Nestas cartas, ao contrário de outras, principalmente as que dirigiu a Oliveira Martins, Jaime Batalha Reis e João Lobo de Moura, raramente os assuntos literários têm primazia e, muito menos, os políticos. É neste capítulo que as divergências entre Antero e Alberto Sampaio são mais evidentes e por isso ele evita-as ou menciona-as muito superficialmente. Apenas quando ataca os republicanos é mais loquaz, embora as razões que o levam a atacar a República não sejam seguramente as mesmas de Alberto Sampaio que foi sempre um convicto adepto da Monarquia.
Para Antero a questão política, porém, desaparecia perante a questão social e económica e, muito principalmente, perante a questão moral. Num artigo publicado no Pensamento Social de Fevereiro de 1873, A República e o Socialismo, em que defendia a sua posição perante a Primeira República espanhola, já ele afirmava: " Se a República não for mais do que a continuação da monarquia sob outro nome, a monarquia menos o monarca; se representar as mesmas tradições administrativas e financeiras, as mesmas influências militares e bancárias; se fizer causa comum com a agiotagem capitalista contra o povo trabalhador; se não for mais do que uma oligarquia burguesa e uma nova consagração dos privilégios pelos privilegiados ¾ em tal caso diremos que nos é cordialmente antipática essa pretendida república de antropófagos convertidos.
Se não for tão longe no caminho da reacção, mas se se contentar apenas com meias reformas sem alcance nem futuro, com uma meia descentralização, uma meia liberdade, um meio militarismo e um meio capitalismo; se for incolor, frouxa, indecisa, declamatória e pasteleira, para tudo dizer com uma palavra sagrada - nesse caso não diremos que somos hostis a essa pseudo-república de meninas de colégio; mas a nossa simpatia será apenas a suficiente para lhe rezarmos um Padrenosso por alma.
Se, finalmente, a república espanhola, evitando igualmente as violências da ditadura vermelha e a funesta aliança dos conservadores endurecidos, aplanar com mão firme um largo terreno de liberalismo em que se possam encontrar todos os partidos médios, não para apenas coexistirem inertes, incomodando-se uns aos outros, no meio da impotência geral, mas para cooperarem activamente, com mútuos sacrifícios e justos compromissos, na gradual reforma das instituições não só políticas mas económicas; se desta alta conciliação sair a anulação, pela própria impotência e não pela força, dos partidos extremos tanto revolucionários como conservadores; se a república, começando por vagamente democrática, se for definindo dia a dia como social, e isto não pela iniciativa autoritária, mas pela evolução dos interesses dentro de uma forma política, que não embarace uma única autoridade justa, nem pretira um único direito, tenha ele o nome que tiver ¾ nesse caso diremos que essa república liberal, progressiva e reparadora não é ainda inteiramente a nossa, porque a nossa é o Ideal, mas calorosamente mostraremos que simpatizamos com ela do coração, porque muito bem sabemos que o nosso Ideal Completo não é para hoje, nem mesmo para amanhã, e não pretendemos que ninguém no-lo realize de um dia para o outro, mas só exigimos garantias sérias para que nós mesmos o possamos ir realizando passo a passo e hora a hora, lentamente, mas sempre".
Assim se compreende a sua tomada de posição face aos republicanos portugueses, que sempre classificou de garotos e de raça pérfida. Sabendo portanto dos ideais fortemente anti republicanos do seu amigo Sampaio, sentia-se à vontade para bem expressar a sua opinião:"Dir-te-ei que o republicanismo avulta de dia para dia. Mas que republicanos! É um partido de lojistas, capitaneado por bacharéis pífios ou tolos. É quanto basta para se lhe tirar o horóscopo. Duma tal república só há-de sair a anarquia e a fome!".
Alberto Sampaio não participou nas Conferências do Casino, nem iria participar nas que se iam seguir, mesmo que elas não tivessem sido proibidas e o seu nome não consta de qualquer prospectoprograma nem, que se conheça, em nenhum protesto contra o seu encerramento compulsivo. Foi certamente convidado. Só que o clima pseudo-revolucionário que as Conferências aparentemente vinculavam não o seduzia.
Nem as palavras de Antero, nem a sua autoridade moral, foram suficientes para o sossegar: "Pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas as pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam a sua atenção aos que pretendem ter uma acção - embora mínima - nos destinos do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado dos seus estudos e trabalhos". Sampaio temia o poder das classes populares e era claramente pela repressão. Numa carta de 1894, a Luís de Magalhães, interroga-se: "Onde irá ter tudo isto? Se a ordem aparente se perturba aqui ou ali, a revolução social rebentará como um vulcão, e depois com todos os horrores da barbária - a punhal! Este trágico fim do Carnot mostra bem o que acontecerá no dies irae quando as classes populares se desencadearem furiosas sobre a civilização que elas não amam nem compreendem".
A verdade é que Carnot fora apunhalado tal como Henrique IV e outras cabeças coroadas e essas mortes não foram desencadeadas pelas classes populares furiosas. Alberto Sampaio não lera, certamente, o excelente artigo que Eça de Queirós escreveu para a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, sobre a morte do Presidente da República Francesa, “A Morte e o Funeral de Carnot”, e já esquecera tudo o que Antero pensava sobre as classes populares que bem cedo, aos 18 anos, defendera no artigo “A Ilustração e o Operário” publicado no Cisne do Mondego em 1860: "Se o rico pode em parte suprir pelo ouro a ciência que lhe falece, o pobre e deserdado só nela pode contar como única e delicada amiga. Ao rico, afeiçoou uma educação primorosa, transmitindo-se através de séculos. Ao operário cegam ainda as sombras de séculos de fanatismo, que lhe pesaram no espírito. Um é já filho duma civilização avançada; o outro, deserdado, sai apenas das faixas infantis da natureza".
Seja como for, Alberto Sampaio era visceralmente contra estes ideais anterianos e contra as soluções que o seu amigo preconizava e defendia: "Não somos exaltados nem impacientes, se entendemos que socialismo é sinónimo de liquidação social, entendemos também que liquidação social é sinónimo de reformas e não de subversão, de livre iniciativa e não de ditadura, de conciliação e não de extermínio e por isso mesmo que não prescindimos de liquidação social é que a queremos gradualmente equitativa, exactamente para que ela seja completa e definitiva".1
A insegurança social finessecular empurrava Alberto Sampaio, cada vez mais, para um radicalismo de opiniões que ele participava a Luís de Magalhães, um dos seus interlocutores preferidos. É, aliás, através desta correspondência que, inesperadamente, nos surge um Alberto Sampaio politicamente muito empenhado e, até, quem diria, interveniente bastante activo. "Por toda a parte o roubo, as falsificações, e sobretudo a desfaçatez. Se a crise financeira produzir um homem que saiba governar, venha ele amanhã. Antes, não creio que se possa arrostar com os descarados e os ladrões: mas dado um momento de angústia, então é possível esmagar os malandros. Caberá ao João Franco varrer toda esta imundice? Será ele assaz ousado para entrar neste caminho sem vacilar? Precisa de grande coragem e resolução, para não lhe enredarem os passos, o círculo de relações em que tem vivido e as suas antigas preocupações. Parece-me que só pode resolver o problema o homem que tenha uma única religião e um sentir - A Razão de Estado - Com este gládio, em pouco tempo põe tudo direito".
Começa aqui a desenhar-se a esperança e a admiração crescente de Alberto Sampaio pelo futuro ditador João Franco, esperança e admiração partilhadas igualmente por Luís de Magalhães. É desta convergência de opiniões que irá nascer o movimento dos Endireitas analisado já por Manuel Villaverde Cabral no seu Portugal na Alvorada do Século XX como o embrião de "uma reforma autoritária e conservadora do Estado liberal, em suma, um movimento comum em direcção à superação do Liberalismo, mediante a rendição crescente às tendências corporativas e fascizantes que convergem, definitivamente, depois de 28 de Maio de 1926".
Mas a designação de Endireitas teve o seu baptismo na imprensa e de forma jocosa e pejorativa. Os jornalistas só inventaram a designação para dela troçarem. E Alberto Sampaio, indignado com o que ia lendo, escreveu mais uma vez a Luís de Magalhães, sem poder imaginar como esse longo desabafo nos surge hoje quase como a certidão de nascimento desses mesmos Endireitas: "A visita a Moreira, (casa de Luís de Magalhães) como todos sabemos não teve nenhum motivo partidário, ninguém pensou em tal, nem de política lá se tratou, a não ser esta meia dúzia de palavras obrigatórias entre os portugueses instruídos. O que nos prendia a atenção era a leitura do manuscrito do Mouzinho que revelava um Homem de Estado, mas também é fora de dúvida que entre os três hóspedes e o dono da casa - eu fico de fora porque nunca exerci funções públicas - entre todos havia uma forte afinidade política. Não era precisa a discussão para se patentear, nem é também das que se discutem, mas das que rebentam espontâneas na primeira ocasião oportuna. Por outro lado (tanto quanto sei de política, pois as minhas congeminações são
outras) creio que está eminente uma mudança profunda na nossa vida pública. Os velhos partidos como os velhos processos estão em vésperas de acabar: e se as circunstâncias e condições da actualidade nos não forem totalmente adversas, a vida nacional renovar-se-á, mas governando-se dum modo diferente... A denominação de Endireitas não podia aparecer senão quando o aleijado está ameaçado de não mais se poder mexer e quando se apontam homens de boa vontade, capazes de reduzir os aleijões e pôr a andar outra vez o das pernas quebradas... Se o doente reconheceu a incapacidade dos médicos profissionais, encontrará nos Endireitas os pulsos hercúleos dos seus antigos ilustres conterrâneos de Rio Tinto".
Os intervenientes nessa reunião de Moreira da Maia, a que alude Sampaio, nesta carta de 1 de Fevereiro de 1899, são, além dele próprio, João Franco, Jaime de Magalhães Lima, o anfitrião e Mouzinho de Albuquerque que fora ler aos amigos o manuscrito do seu livro sobre Moçambique.
Sete meses haviam decorrido sobre a demissão do herói de Chaimite, que Alberto Sampaio, em carta de 21 de Julho, igualmente a Luís de Magalhães, comentara asperamente, considerando significativo o destempero governativo e de parte do público que deixara passar o caso sem o mais pequeno protesto, "ele que ainda ontem o aplaudia freneticamente. Pode haver alguma coisa mais desconsoladora que tudo isto? A gente chega naturalmente ao último pessimismo: mas a verdade é que se o povo não fosse assim, não haveria governo nem rei como os que temos".
Mouzinho de Albuquerque aparecia aos olhos de muitos como o Messias salvador, mas os messias, como dissera Antero, gastam-se se não entram logo em cena a fazer milagres. Ora milagres não houve. Os Endireitas não logravam grandes sucessos nem adesões, apesar dos seus nomes, individualmente tão prestigiados e, no dia primeiro de Janeiro de 1901, Sampaio, desiludido, escrevia mais uma vez para Moreira da Maia: "A exclusão dos Endireitas de entre os novos pares é um facto tão notável que não posso deixar de conversar consigo a respeito dele por alguns instantes. Para lhe falar com franqueza não fiquei surpreendido. Os Endireitas são hereges, que é necessário afastar e deixar na penumbra, embora com boas maneiras, e tirando deles todo o proveito possível. Pena foi que auxiliassem o governo nas eleições. Se a gratidão não fosse demasiadamente rara, devia esperarse desta vez uma excepção: mas quem pode contar com ela? "Águas passadas não movem moinhos" diz o povo! agora trata-se de moer de novo e não de moagens velhas. Posto de lado o que há de feio e indecente no procedimento hintzeano, o resultado no ponto de vista político parece-me excelente, porque ajuda a estabelecer com precisão uma linha divisória. E para os Endireitas tudo quanto tenda a delimitar o seu grupo tanto melhor". E nesse dia, o primeiro do século, as esperanças de Alberto Sampaio viram-se ostensivamente para João Franco: "Deus queira que lhe esteja reservado e aos seus amigos inaugurar no novo século uma nova vida política na nossa terra".
Em Dezembro de 1902, com Mouzinho fora da política e da vida, Alberto Sampaio é um franquista convicto, ou não fosse João Franco um Endireita, e os Endireitas, como Sampaio ingenuamente supunha, só se moviam "impulsionados pelos interesses superiores da nação". Quantos Endireitas? apetece perguntar.
Nos anos que se vão seguir, com os republicanos a aumentar de número sem que uma opinião forte "os metesse na ordem", como lamentava Sampaio, a demissão de usar da força por parte daqueles que a detinham parecia-lhe uma loucura. Em 1905, na sequência das lutas internas na Rússia, interrogava ele Luís de Magalhães: "Não lhe parece que o czar perdeu a melhor das ocasiões de resolver a questão socialista pondo-se à frente da revolução? Tornava-se certamente o maior potentado do mundo e deixaria na História o mais belo exemplo do poder de um homem. Agora não sei o que será. Trevas, lutas de classes por quanto tempo!"
Como é compreensível a sua alegria quando finalmente João Franco se tornou primeiro ministro! Durante a visita que o Presidente do Conselho fez ao Porto, Sampaio desceu à cidade invicta para
participar nas festividades e de lá escrever a Luís de Magalhães, o recém nomeado senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, porque os Endireitas tinham afinal conseguido lugar de destaque entre os vencedores: "Cheguei no sábado. Vim prestar aos meus amigos a minha insignificante homenagem.
Da recepção cheia de espontaneidade, não lhe falo, porque já terá dela notícias circunstanciadas. Deixe-me todavia, notar alguns incidentes característicos. No fim da conferência, ouvi a um popular a seguinte frase - "O homem quer fazer disto qualquer coisa". Estas palavras mostram que está ganha grande parte da confiança da população, o que é tudo, porque sem ela não pode haver governo reformador. Rasgou-se o delgado véu que separava o Franco dos portuenses. A sua sinceridade, a sua forte e expansiva individualidade, lançou-lhos nos braços. À saída de casa do José Novais, um desconhecido, entre popular e burguês, com quem abalroei, gritou me: "E digam lá que o Franco não tem aqui amigos?" E ao chegar a minha casa, dum grupo de sobrecasacados saía esta exclamação: "Quê? pois o presidente do conselho falou ao povo das janelas?"
A visita tomou assim um carácter muito diverso da norma usual. Dir-se-ia que pela primeira vez as gentes fraternizavam com os ministros; e não fique sem se notar a tipóia de praça que os levou em parte do cortejo. Viu já porventura alguma coisa menos conselheiresca numa recepção destas?
No bota fora, na estação de São Bento, por mais esforços que eu fizesse não consegui atravessar a multidão compacta que cercava os nossos amigos e partiram sem eu lhes poder dar o adeus da
despedida".
Se Antero pudesse ter lido esta carta, como teria sorrido perante a santa ingenuidade e, o que será menos desculpável, a falta de um conhecimento mínimo do que é a reação das turbas quando bem manipuladas, por parte do seu amigo Alberto.
Menos de um ano depois, Alberto Sampaio já não elogiava Franco nem a sua "forte e expansiva personalidade". Não deixa de espantar como é que homens de cultura como ele podiam cair na esparrela do populismo e do individualismo do salvador da pátria. Mas caiam. Felizmente também, os salvadores não o são por muito tempo.
Luís de Magalhães deixou o Palácio das Necessidades tão magoado que nem quis receber a condecoração-consolação que o rei lhe reservara e Sampaio, em Agosto de 1907, indignava-se contra uma lei franquista, afinal uma lei justa mas cujas consequências lhe eram desagradáveis e adversas: a lei do descanso semanal. "Mal pensada, sem conhecimentos da vida nacional, feita talvez só com o propósito de angariar simpatias populares, está destinada a ser um caso grave. Alterar os costumes com leis é remar contra a maré. Já era tempo de estar corrente e moente que as leis não são mais que costumes escritos, e quando não os exprimem são letra morta".
Para os camponeses e operários é que esta lei não foi certamente letra morta. Mas quanto esforço, quanta humilhação, quanta demissão dos seus direitos, até que ela se tornasse realidade. Quantos senhores da terra a não cumpriram durante tantos anos.
Mas a ditadura de Franco caiu. Todos acabam por cair, porque, como escrevera Antero: "Não é na substituição da ditadura de Sila à de Mário, da de Napoleão à de Robespierre, da de Espartero à de Isabel II que está o segredo das revoluções, mas na extinção total da ditadura fosse ela a de um santo, da tirania fosse ela a de um deus".2
Após o regicídio, Sampaio desiludiu-se de vez com a sua fugaz incursão pela política. Antero estava presente nas suas recordações quando escreveu: "Por mim não creio em revoluções. Os homens governantes podem mudar, mas a intelectualidade fica a mesma, a que tinha sido. A respeito da decadência dos povos de línguas românicas, estou cada vez mais convencido que o mal lhes provem do catolicismo que é a religião de todos. A igreja católica, com o excesso de disciplina, partiu-lhes a energia intelectual e moral. Pobre gente! Donde lhes virá a salvação".
Afinal acabou por concordar com Antero e com as conclusões a que ele chegara tantos anos antes nas Causas da Decadência dos Povos Peninsulares.
Já poucos meses lhe restavam de vida. A sua obra de historiador estava concluída e títulos como A Propriedade e Cultura no Minho e Vilas do Norte de Portugal são essenciais para o esclarecimento das nossas origens históricas. Não foi um génio, como Antero, e tinha plena consciência desse facto. Quando da publicação do In Memoriam, após ter lido o infeliz ensaio de Sousa Martins, expressou, indignado, a sua opinião: "A coisa parece-me uma sebenta para uso dos seus estudantes. Não creio que seja deprimente para o carácter de Antero porque se não houvesse nevropatas, Schiller, Goethe e outros que tais, ficava o mundo povoado de Sousas Martins, o que seria de a gente morrer de tédio".
Ao tomar conhecimento da tragédia de 11 de Setembro de 1891, escreveu a Oliveira Martins: "Enfim acabou-se o nosso santo amigo e com ele vai uma boa parte de nós mesmos".
Só que ambos continuam entre nós e a oportuna comemoração conjunta que a Sociedade Martins Sarmento organiza é bem o testemunho da imortalidade que ambos alcançaram.

1 A República e o Socialismo.
2 Antero de Quental, "Portugal Perante a Revolução de Espanha" in Prosas, Vol II,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 1926.

BIBLIOGRAFIA
Antero de Quental ¾ In Memoriam, Mathieu Lugan Editor, Porto, 1896.
Quental, Antero de, Cartas I e II, Int., Org. e notas de Ana Maria Almeida Martins, Univ. Açores/Ed. Comunicação, 1989.
Cabral, Manuel Villaverde, Portugal na Alvorada do Século XIX, Lisboa, 1979.
Queirós, Eça de, "A Morte e o Funeral de Charcot", in Ecos de Paris, Lello & Irmão, Porto.
Espólio de Luís de Magalhães (Esp/2) depositado na Área de Espólios da Biblioteca Nacional de Lisboa. (cartas de Alberto Sampaio a Luís de Magalhães)

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