quinta-feira, novembro 26, 2009

O meu amigo Tarcísio Trindade - António Pedro Vicente

O MEU AMIGO TARCÍSIO TRINDADE

CONHECI OS PAIS DO TARCÍSIO quando era muito jovem. Teria 10 anos. Sucede que, por esse tempo, passava, com os meus irmãos, as férias no Norte, mais particularmente na Bairrada. Aí desfrutava os meses de Agosto e Setembro em casa de parentes generosos que me proporcionavam, anualmente, a grande aventura do afastamento de Lisboa. Nos primeiros dias de Outubro o meu Pai, cujo trabalho o inibia de férias prolongadas, vinha buscar-nos para iniciar o novo ano escolar. No seu Austin 8 cv, um carrinho de pouca potência, iniciava-se a grande aventura da longuíssima e perigosa viagem até Lisboa. Partia-se pelas 9 horas da manhã depois de atulhado o pequeno carrito com a família e as bagagens. À hora do almoço chegava-se, geralmente, aos arredores de Coimbra onde se celebrava o ritual de um piquenique. Depois, pelas cinco da tarde, era a entrada em Alcobaça. Aí residia, para mim, a parte mais importante da grande epopeia da época balnear. Alcobaça, efectivamente, seduzia-me, não tanto pelos seus monumentos, mas pela sempre lembrada visita à casa de antiguidades dos pais do Tarcísio. Era a magia dos objectos aí existentes que, acirrando a minha curiosidade, constituía a maior riqueza e compensação para suportar o infindável trajecto que, por esse tempo, constituía a viagem de Águeda a Lisboa. Entretanto, antes de chegar a Coimbra já tínhamos parado na Malaposta para cumprimentar o senhor Barbosa, proprietário da melhor oficina de automóveis da região. Aí residia uma paragem sedutora onde me deliciavam os seus automóveis antigos.
O agradável piquenique dos arredores de Coimbra, ao que me lembro, era sempre desfrutado com o bom tempo que, normalmente, caracteriza os primeiros dias de Outubro. Mas, Alcobaça, ou melhor, a casa comercial dos pais do Tarcísio constituía o ponto alto dessa interminável jornada. Aí, entre as inúmeras surpresas que ornamentavam este sedutor tipo de comércio encontrava as peças para quem, como eu, dava os primeiros passos no gosto pelo coleccionismo. Sempre no mesmo lugar, permaneciam, todos os anos, dois objectos que para mim se sobrepunham a todo o rico recheio destes conhecidos antiquários.
Nunca averiguei com exactidão, mas penso que hoje ainda ornamentam as casas dos descendentes, entre os quais figura o meu querido amigo Tarcísio Trindade. Uma dessas peças era uma cadeira negra, aparentemente vulgar, toda em madeira, onde me sentava e começava a ouvir uns acordes musicais que gravei para sempre. Os meus pais, zelosos dos interesses comerciais dos proprietários, recriminavam a minha ousadia. Outra peça, fronteira ao assento musical, era um quadro a óleo onde, entre o aglomerado de casas, surgia uma igreja cujo relógio da respectiva torre era verdadeiro. Era uma espécie da visão surrealista que se me deparava. Já me foi contada a história dessas duas peças, as quais, ao que me lembro, observei durante anos.
Depois, lá se prosseguia a viagem, até Lisboa, onde se chegava cerca da meia-noite. Nesses anos não tinha sequer conhecimento da existência do Tarcísio. Conheci-o, pouco após o 25 de Abril, já depois de ter saído dos calabouços onde, o antigo Presidente da Comarca de Alcobaça, tinha sido conduzido pela sua “actividade fascista”. Afirmo, desde já, que jamais conheci autarca mais amante da sua terra como este descendente dos antiquários que guardavam os meus tesouros alcobacenses. Muitos anos passados, e quando a estrada Porto-Lisboa já não passava por essa terra monumental, descia a Rua do Alecrim e deparei com uma ampla loja com milhares de livros amontoados no chão. Entrei e conheci um senhor muito simpático que percebi ser o locatário, o ex-Presidente da Câmara de Alcobaça, o filho dos antiquários e o célebre livreiro que, em Madrid, tinha descoberto o primeiro livro impresso em Portugal. Acabado de sair da cadeia, resolvera montar o seu negócio. Era o Tarcísio Trindade. A maravilhosa e sempre alimentada relação humana estava estabelecida desde esse dia. Tarcísio é civilizado, inteligente, modesto e principalmente, extraordinário conhecedor do livro antigo. Como afirmei e insisto, estavam dados os passos para uma amizade que permanece e que se estendeu a toda a sua família onde sobressai a simpatiquíssima Mafalda, a sua Mulher de sempre. A este agente intelectual muito devo, não só pelos livros que lhe adquiri, como pelos preços honestos que me proporcionou. Tarcísio Trindade constituiu um grande auxiliar na minha profissão. As peripécias da nossa relação são inesquecíveis, a começar pela entrada na sua loja onde a recepção é sempre calorosa. Depois, os diálogos enriquecidos pelas historietas relativas ao negócio que os livros proporcionam. A alegria manifestada quando tem “material” que interessa aos seus clientes / amigos e que particularizo na colecção de folhetos anti-napoleónicos e anti-revolucionários que ia descobrindo e guardava para este seu amigo. Uma sã intimidade nascida naquele dia dos livros amontoados no chão e que, pouco depois, eram colocados nas estantes “Olaio” ainda hoje repletas com a ajuda preciosa do filho Bernardo, também um querido amigo, que lhe sucedeu no gosto alfarrabista. Não esqueço a boa recepção a clientes ignorantes, um tratamento igual para todos. A mesma deferência que tem para com o consagrado coleccionador. Tantas vezes me sentei à mesa deste humilde mas sábio, o Amigo Tarcísio Trindade, inclusive no célebre 11 de Setembro que abalou os E.U.A. e o mundo, coincidindo com o seu aniversário.
Meu querido Tarcísio: prossiga com a mesma postura sábia e generosa e receba um abraço muito apertado, extensivo a todos os seus, deste muito admirador e amigo, e da Ana, minha mulher, que também lhe deseja muita saúde.
Lisboa, 10 de Julho de 2009

António Pedro Vicente

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