quinta-feira, novembro 26, 2009

Tarcísio Trindade: perfil cultural e cívico - António Valdemar

TARCÍSIO TRINDADE
PERFIL CULTURAL E CÍVICO

LIVREIRO ALFARRABISTA de projecção nacional e internacional, Tarcísio Trindade tem lugar de evidência na história da cultura portuguesa. Possui conhecimento profundo da introdução e difusão da tipografia europeia nos séculos XV e XVI e das espécies bibliográficas mais famosas que existem, dentro e fora de Portugal, em bibliotecas públicas e privadas.
A sua loja, na Rua do Alecrim, tornou-se, presentemente, a última tertúlia erudita de Lisboa frequentada por intelectuais, artistas e coleccionadores portugueses e estrangeiros. Pode classificar-se uma antecâmara da Academia das Ciências, da Academia da História e até da Academia Nacional de Belas-Artes. Ali têm sido adquiridas «raridades insignes» para citar uma classificação habitual em estudos e memórias bibliográficas, e que, juntamente com os preciosos esclarecimentos de Tarcísio Trindade, vieram alterar, por completo, muitas teses conhecidas.
O caso mais significativo refere-se à localização e à informação devidamente fundamentada, pelo próprio Tarcísio Trindade, do mais antigo livro impresso em Portugal, o Tratado da Confissom (Chaves, 1489). A partir desta revelação, Pina Martins, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, sócio efectivo da Academia das Ciências e da Academia Portuguesa de História, conseguiu apresentar, na Sorbonne, e perante um júri presidido por Marcel Bataillon – mestre eminente de estudos humanistas e renascentistas – uma tese universitária que modificou, na época, tudo quanto estava publicado acerca do início da tipografia em Portugal.
Ruben Borba deMoraes – que procedeu, no Brasil, a um inventário bibliográfico semelhante ao que Barbosa Machado e Inocêncio fizeram em Portugal – procurou Tarcisio Trindade numa das suas visitas a Portugal. Esse contacto permitiu-lhe completar o levantamento exaustivo dos primórdios da tipografia no Brasil.
Trata-se da Relação da entrada que fez o excellentissimo, e reverendíssimo senhor D. Fr. Antonio do Desterro Malheyro Bispo do Rio de Janeiro, em o primeiro dia deste prezente Ano de 1747 (…), a primeira obra impressa no Brasil por António Isidoro da Fonseca que já se havia notabilizado com a edição das obras poéticas e teatrais de António José da Silva, o Judeu, tragicamente queimado em auto-de-fé pela Inquisição em Lisboa, devido à sua origem familiar.
A quase totalidade da edição foi apreendida e retirada de circulação. O confisco e destruição deveu-se ao facto do estabelecimento da imprensa no Brasil ser considerado «perigoso e nocivo» aos interesses da Metrópole. Por outro lado, a censura exercida pelo Tribunal do Santo Oficio funcionava em Lisboa. Esta determinação inexorável prolongou-se até 1808, altura da transferência da Corte para o Rio de Janeiro.
Só conhecia apenas Rubem Borba de Moraes os seguintes exemplares da Relação da entrada do bispo Malheiro: dois na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (um dos quais proveniente da colecção Barbosa Machado e que foi para o Brasil com a Corte); um na Catholic University of America, em Washington (incluído na doação de Oliveira Lima); outro na biblioteca de Nova Iorque; e ainda mais outro na Biblioteca da Universidade de Coimbra. Mas além destes também havia exemplares da Relação da entrada do bispo Malheiro, com uma gralha na data da impressão (em vez de MDCCXLVII (1747) saiu impressa MCCXLVII (1247)): o da Biblioteca do Itamarati e o da Biblioteca de Nova Iorque. Eram as raridades da raridade. Borba de Moraes ficou a ter mais outro que lhe vendeu, nos anos 60, Tarcísio Trindade.
Hoje integra o acervo de José Mindlin, um dos maiores coleccionadores de livros de todo o mundo, que possui a maior biblioteca particular de língua portuguesa. Tive o privilégio de conhecer pessoalmente José Mindlin, na loja da Rua do Alecrim de Tarcísio Trindade, numa das suas passagens por Lisboa. Era, ao tempo um jovem, com mais de 90 anos e ainda não tinha entrado na Academia Brasileira de Letras.
Houve uma empatia recíproca neste encontro. Ofereceu-me, depois, o livro da sua autoria Destaques da Biblioteca InDisciplinada de Guita e José Mindlin, uma edição de luxo da Biblioteca Nacional do Brasil que nos coloca em face da evolução da tipografia e outras artes gráficas, assim como da história do Brasil em múltiplos sectores.
Mas regresso, nesta breve evocação, ao universo inesgotável do livreiro alfarrabista de projecção nacional e internacional Tarcísio Trindade, que é, há longos anos, um dos meus amigos de eleição. Uma amizade que se estendeu à sua família, em particular a seu filho Bernardo Trindade, continuador de seu pai e com o qual tem aprendido muito mais do que lhe proporcionou a licenciatura em História.
Também frei Maur Cocheril, o maior especialista da história e difusão da Ordem de Cister na Península Ibérica ficou a dever a Tarcísio Trindade elementos de extrema importância a propósito de Alcobaça e da presença claravalense noutros pontos do país, desde os primórdios da nacionalidade. Maur Cocheril manifestou o seu reconhecimento:
«À Tarcísio, personnage officiel – ce qui est peu. Mon ami – ce qui est tout.»

Director e colaborador assíduo de jornais e revistas de Alcobaça, Tarcísio Trindade publicou obras de criação literária. O seu livro de poemas Os Meninos e as Quatro Estações mereceu destaque numa das edições da História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes. Não se limitou, contudo, Tarcísio Trindade à actividade profissional. Ao longo dos anos tem manifestado dedicação incomum por Alcobaça, terra onde nasceu e à qual consagrou grande parte da sua vida no exercício de funções na administração autárquica e nos sectores da solidariedade social. Como Presidente da Câmara e no domínio das obras públicas tomou decisões fundamentais na construção e reabilitação urbanas, electrificação, abastecimento de água , saneamento básico e viação rural. Foi, todavia, na área da educação, no início dos anos 70, com o apoio de Veiga Simão, ministro da Educação, que Tarcísio Trindade desenvolveu todos os esforços até haver em Alcobaça e no seu concelho a introdução e oficialização do ensino secundário completo (a cargo da Câmara, um caso único no País); a oficialização da Escola do Ensino Preparatório da Benedita, a criação da Escola do Ensino Preparatório em São Martinho do Porto; a construção de Escolas do Ensino Primário e do Pavilhão Gimnodesportivo de Alcobaça, um dos primeiros erguidos no país. Milhares de jovens sem recursos económicos passaram a adquirir formação escolar e habilitações oficiais que, antes, só existia para os beneficiados da fortuna que se deslocavam para Coimbra e Leiria. Toda esta acção de Tarcísio Trindade, na presidência da Câmara de Alcobaça, transformou radicalmente o concelho e reflectiu-se, de forma assinalável, no centro do país.
Nas últimas décadas, Tarcísio Trindade, na presidência da Assembleia Municipal de Alcobaça, na presidência da ADEPA (Associação para a Defesa do Património Cultural de Alcobaça) e, sobretudo, como Provedor da Misericórdia, levou a efeito muitas outras realizações. Retirou do convento serviços públicos e de interesse público que permaneciam em circunstâncias degradantes. Deixou de funcionar ali o tristemente célebre asilo de mendicidade para nascer um lar de terceira idade, construído de raiz e, sob todos os aspectos, verdadeiramente modelar.
Por tudo isto, a Chancelaria das Ordens Honoríficas Nacionais atribuiu a Comenda da Ordem de Mérito a Tarcísio Trindade que lhe foi entregue, em Alcobaça, pelo Presidente da República, Jorge Sampaio. Também a Academia Nacional de Belas-Artes elegeu, por unanimidade, Tarcísio Trindade para sócio correspondente.
Assim se prestou justa homenagem a Tarcísio Trindade pelas muitas obras que promoveu de largo alcance social e reconhecida projecção cultural. Restituiu o conjunto monumental do mosteiro de Alcobaça classificado pela UNESCO no Património da Humanidade à sua dignidade multissecular. Criou condições, naquele espaço, marcado pela história e tradição, para implantar um projecto que conduz à identificação da população com as suas raízes, estimulando também a intervenção cultural e cívica para responder aos desafios do nosso tempo e aos imperativos do futuro.

António Valdemar

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