quinta-feira, novembro 26, 2009

O meu querido amigo Tarcísio - Luís Bigotte Chorão

O MEU QUERIDO AMIGO TARCÍSIO

PASSARAM JÁ MUITOS ANOS sobre o dia em que pela primeira vez transpus a porta da Livraria Campos Trindade.
Recordo perfeitamente a silhueta de um Senhor, sentado a uma secretária ao fundo da loja, que, à minha entrada, se ergueu para me saudar. Trocámos cumprimentos e justifiquei a minha visita: curiosidade pelos livros antigos.
Porque os livros que estavam expostos não me tivessem chamado a atenção, centrei-me a apreciar as obras de referência, que impecavelmente organizadas se dispunham em estantes inacessíveis. A bibliografia, a história e importância dos livros sobre livros, e dos catálogos de bibliotecas, serviram de mote a uma primeiro diálogo com Tarcísio Trindade, em que, como em tantos outros ao longo do tempo, fui seu aluno e ouvinte atento.
Estava longe de pensar que esse encontro inaugurasse muito mais que uma relação pessoal cordialíssima, uma amizade verdadeiramente excepcional.
Tornei-me naturalmente uma visita frequente da Livraria Campos Trindade, e o passar do tempo haveria de cimentar uma relação de confiança que fez de Tarcísio um dos meus mais queridos amigos.
Não estranha, assim, que me seja gratíssimo dar aqui o testemunho de um convívio ininterrupto,
cimentado numa inabalável confiança recíproca.
Acompanhando-o, como o acompanhei, fui beneficiário da sua vastíssima cultura, e como todos os seus clientes, da sua correcção e seriedade impecáveis. Em muitas ocasiões o vi estudar as obras, contar os cadernos e as páginas, verificar as gravuras, para, na sua inconfundível caligrafia, as anotar num gesto de máxima lealdade para com os seus clientes. Como se não bastasse, fazia ainda questão de perguntar aos interessados se tinham lido os seus “alertas”; a sua consciência de profissional probo, não lhe consentia aproveitar-se do desconhecimento alheio. Eu próprio beneficiei dos seus avisos.
Conhecedor profundo do livro e da história da edição, Tarcísio Trindade foi meu permanente e sábio conselheiro. Devo-lhe o ter aprendido a não me precipitar, a saber esperar, a valorizar certas espécies bibliográficas consideradas “menores”. Tarcísio sugeria-me um exemplar mais “limpo” – garantindo- me que ele haveria de aparecer na sua loja, e não tenho memória que alguma vez se tenha equivocado –, e conhecendo, como poucos, os meus livros, permitiu-me, através de permutas, que ele próprio me sugeria, valorizar a minha biblioteca com exemplares, como sempre diz, “mais estimados”.
Tarcísio Trindade partilhou comigo muitas das suas alegrias como livreiro, não raro dando-me notícia antecipada das suas aquisições ou convocando-me para a hora de chegada das suas compras à Rua do Alecrim.
Em muitas ocasiões recebi pelo telefone pedidos seus para que me deslocasse à loja. Criava “suspense”, sugeria mesmo tratar-se de assunto pessoal, e à minha chegada abria-se num sorriso. O que estava lá à minha espera era a obra que eu vinha procurando; lembro-me que foi assim com a colecção da Seara Nova, com a da Ilustração Portuguesa e outras mais.
Discretíssimo, e de uma enorme modéstia, só a meu pedido me ofereceu, com uma dedicatória tocante,o seu premiado Os Meninos e as Quatro Estações. Preferia não falar de um seu sucesso, reconhecido, aliás, expressivamente, por António José Saraiva e Óscar Lopes.
Mas Tarcísio Trindade não é só o Homem de cultura, o poeta roubado à escrita pelo amor dos livros. Como cidadão continua a cumprir a sua missão de serviço aos outros. Antes, como Presidente da CâmaraMunicipal, depois, como autarca apaixonado pela sua terra noutras funções, de há muito tempo a esta parte como Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça.
De Tarcísio Trindade recebi ao longo dos anos testemunhos inesquecíveis da sua amizade e imensa generosidade, mas sobretudo desejo registar aqui o sentimento de gratidão pelo muito que me ensinou.

Lisboa, 5 de Abril de 2009
Luís Bigotte Chorão

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