domingo, março 15, 2009

«Boaventura, algumas notas para a sua história» - Dr. Alberto Vieira

Boa Ventura tem água
Que rega muito vimieiro
Tem muita boganga e feijão
Que vale muito dinheiro.
Versos de Manuel Gonçalves (feiticeiro do norte), Funchal, 1959.
Boaventura é hoje uma freguesia importante do concelho de S. Vicente, situação decorrente da sua plena afirmação a partir da segunda metade do século XIX. Boaventura é terra de gente ilustre e humilde, de colonos e senhorios. Uma franja de terra onde o homem se resguarda em vales amenos numa área que vai da montanha à serra.
A História do lugar reparte-se entre a riqueza dos seus recursos naturais e a sua posição no traçado da rede pedestre que ligava o Norte ao Sul. Esta última situação perdeu-a na década de cinquenta mercê do incremento da rede viária.
É este titubeante caminho pelos progressos da ilha que nos conduz a Boaventura e ao seu cada vez mais evidente protagonismo, uma vez quebradas as peias do isolamento dos seus núcleos de assentamento humano.

A TOPONÍMIA
Uma das questões que muitas vezes nos preocupa, leigos e historiadores, é a origem do nome dado aos núcleos de assentamento dos povoadores do concelho. Nem sempre as explicações apresentadas são razoáveis e por detrás da designação inicial estão, muitas vezes, aspectos que nos escapam. A toponímia é um campo aberto e muito atreito à nossa imaginação. Ontem como hoje questiona-se a origem do topónimo Boaventura.
O Pe. Fernando Augusto da Silva (Elucidário Madeirense, 1946)., cauteloso, não é capaz de apresentar uma explicação: "Qual é a grafia correcta: Boaventura ou Boa Ventura? Não o sabemos dizer, porque de ambas as formas aparece escrito este nome. A primeira parece ser a mais antiga e é sem duvida a mais comum e usual, mas no entretanto não conhecemos razões especiais de preferência para nenhuma delas. Só nos podemos perder em simples conjecturas ou em hipóteses mais ou menos engenhosas, mas talvez muito distanciadas da verdade.
Já A. Sarmento (Freguesias da Madeira, 1953) anota aquela que lhe parece plausível: "Parece que primitivamente foram terras chamadas de boa ventura, da alcunha que teve o seu povoador. E boa sorte coube a Pero Gomes de Galdo, pois, de origem castelhana e num tempo em que Portugal andava emperrado com Castela, soube haver bom quinhão de terras distribuídas no norte da Madeira. Casou com herdeira rica, obteve o cargo de juiz dos órfãos, e D. Manuel lhe deu cota de armas em 1510".
Para Maria Lamas continua o mesmo enigma: "Boaventura! Tem qualquer coisa de simbólico este nome que marcou a risonha freguesia desde a sua fundação" (Madeira maravilha atlântica, 1956.).
A História sempre nos coloca desafios inúmeros e enigmas, capazes de espicaçar a imaginação criadora de alguns dos seus construtores. Na verdade, nem sempre as questões do presente correspondem às respostas que o passado nos transmite ou pode dar. A toponímia é um campo escorregadio e capaz de provocar opiniões divergentes, como vimos.

A FREGUESIA
Boaventura deverá ser lugar de assentamento muito mais recente que Ponta Delgada e S. Vicente e certamente nunca assumiu a importância destas. Todavia, o facto do lugar se encontrar a meio caminho na ligação à vertente sul pelo Curral das Freiras terá propiciado a sua valorização. O primeiro sesmeiro terá sido o castelhano Pero Gomes de Galdo que aí fundou a capela de S. Cristóvão.
Note-se que no concelho a correspondência entre as actuais freguesias e paróquias só ficou estabelecida em 1836 com a criação da paróquia de Boaventura. Este último lugar esteve por muito tempo dependente da de Ponta Delgada e só em 1733, com a criação do curato procedeu-se à separação, ficando como sede a Capela de Santa Quitéria. Esta situação resultou de uma reclamação dos moradores do lugar ao Bispo D. Fr. Manuel de Coutinho numa visita a Ponta Delgada. Em 1817 Paulo Dias de Almeida refere o lugar como curato dependente da paróquia de Ponta Delgada, donde tardavam a lá chegar cerca de trinta minutos, por um "muito mau caminho". A afirmação plena do lugar deu-se no século XIX com a sua elevação em 1836 à categoria de paróquia, tendo como sede a nova igreja de Santa Quitéria, construída nos escombros da capela do mesmo nome. Depois disto nova paróquia só veio a acontecer em 1919 na Fajã do Penedo, onde se construíra uma igreja do Imaculado Coração de Maria.
Toda a História da localidade até ao século XIX é alicerçada na dependência da paróquia de Ponta Delgada. Assim no período que decorre até à criação do município de S. Vicente em 1744 a área dependia do município de Machico, ficando na alçada do juiz do lugar de Ponta Delgada. E esta situação perdurou por muito tempo. Somente em 1872 surge uma noiva situação, pois a criação das juntas de paróquia veio a autonomizar o lugar. Já em finais do século XVI Gaspar Frutuoso (Livro Segundo das Saudades da Terra, 1873-1979) na sua descrição das diversas localidades da ilha, apenas faz referência a Ponta Delgada e S. Vicente. Tão pouco Henrique Henriques de Noronha em 1722 faz referência, dando toda a atenção a Ponta Delgada e ao protagonismo de António Carvalhal, o homem que catapultou Ponta Delgada para uma posição de prestígio no norte da ilha.
O facto mais significativo de tudo isto é que Boaventura em relação a Ponta Delgada apresentava-se no século XIX como mais populosa e tardou muito tempo em ser reconhecida a sua importância. Para isso certamente contribuiu a dispersão populacional, a pouca capacidade ou interesse das suas gentes em reivindicar a sua autonomia em termos religiosos e políticos.

IGREJAS, CAPELAS E SOLARES
A freguesia de Boaventura apresenta no seu recinto algumas capelas e casas de inegável valor patrimonial, algumas delas já demolidas. De entre estas últimas destaca-se a Capela de São Cristóvão, demolida em 1748. A sua fundação é atribuída a Pedro Gomes de Galdo ou a um seu descendente, dono de terras de sesmaria em Boaventura e S. Jorge. Foi o primeiro templo religioso desta localidade. A esta juntam-se outras duas na Fajã do Penedo: a Capela de Santana edificada em 1768 por António Francisco de Caires e sua mulher Teresa Maria Barros, demolida na primeira metade do século XIX, e a Capela do Coração Imaculado de Maria, benzida em 23 de Agosto de 1919, e mandada fazer, pela devoção de D. Maria Margarida dos Anjos Ribeiro.
A Igreja Matriz da invocação de Santa Quitéria foi construída em 1835 no local da antiga capela. Esta capela primitiva fora construída em 1731 por solicitação dos moradores e ficou desde 1833 como sede do curato. Em 1739 foi criada a confraria de Santa Quitéria, que desde 1771 se empenhou na construção da nova igreja. Desta primeira fase deve ser o pórtico principal em rica cantaria lavrada. O tecto foi pintado em 1929, por José Zeferino Nunes (Cirilho).
No plano da arquitectura civil destacam-se dois solares: o dos Banhos, dos finais do séc. XVIII, recuperado para pousada, em 1992, pelo Senhor Silvano Jesus Teixeira, e o da Silveira, que apresenta gravado na porta de entrada o ano de 1783. Foi casa dos morgados Lício de Lagos, possuidores terras vinculadas. A tradição aponta a presença de Antero de Quental, hóspede de sua tia D. Isabel de Quental.

AS RIQUEZAS DE BOAVENTURA
A orografia desta vertente norte e em especial da área circunscrita ao concelho de S. Vicente não configura grandes possibilidades agrícolas. A preparação do solo para o cultivo foi uma tarefa árdua. Por isso, no início da ocupação da ilha esta área ficou abandonada a si própria e só ganhou importância num segundo momento pela necessidade das madeiras e pressão do movimento demográfico. Neste contexto, foi a riqueza das suas madeiras e a sua crescente necessidade para construção civil, naval e industria açucareira que perpetuaram a importância deste núcleo.

FLORESTAS E MADEIRAS. A valorização deste recurso é evidente na presença de serras de água. Este era um engenho mecânico movido a água, com vantagens sobre o sistema manual no sentido de que era muito mais rápido e necessitava apenas de um só homem. A toponímia testemunha ainda hoje o local onde funcionaram algumas. Em Boaventura temos o Lombo da Serra de Água. Paulo Dias de Almeida (1817) refere o local, nomeadamente as partes altas como cobertas de arvoredos.
Esta reserva florestal tanto era usada localmente como exportada para o Funchal. Temos alguns indícios do uso de madeiras de qualidade, vinhático cedro e pau branco, pelas populações locais na construção de mobília. Em alguns testamentos ficou
registo disso. Cristóvão Manuel Fernandes Ferreiro em 1721 surge com uma caixa de castanho, já em 1763 Manuel Pestana documenta uma outra de pau branco e em 1767 Isabel Gouveia dá conta de outra de cedro com fechadura.

O VIMIEIRO. Outro recurso de não menor importância foi o vimieiro que teve aqui junto com a Camacha um grande desenvolvimento. A tradição associa esta actividade a ambas as freguesias. Esta situação manteve-se até a actualidade, tendo na década de setenta da presente centúria um momento de apogeu.

AGRICULTURA E PECUARIA. A par disso é de salientar a agricultura, assente numa exploração de subsistência ou de exportação. Neste último caso temos a vinha e a cana de açúcar. A cana de açúcar teve na freguesia algum incremento no século XIX, surgindo em 1899 na Ribeira do Porco um engenho de António de Abreu Cardoso.
Maior interesse despertava o gado vacum pela sua dupla utilidade: estrume para fertilizar a terra e o leite para consumo doméstico ou venda. Neste último caso foi um suplemento importante da economia familiar. A freguesia apresentava no período de 1938 a 1940 doze postos de desnatação, onde intervêm 590 proprietários. O rendimento auferido é de 2.41644$39. Isso é testemunhado nas inúmeras doações e legados onde é frequente a sua presença. Em 1713 Manuel Mendes declara três vacas, já em 1778 Salvador Andrade apresentava-se com quatro vacas e dois cabritos. Note-se também a presença do gado ovino, caprino e porcino como mais um suplemento económico. Em 1721 Cristóvão Manuel Fernandes declara doze cabras, sete ovelhas, dois novilhas, uma junta de vacas e porcos. De acordo com o arrolamento do gado de 1893 a freguesia apresentava-se com 1508 cabeças de gado bovino, 4060 do porcino, a que se juntavam de gado manadio, 161 de ovino e 450 de caprino.
A riqueza do sector pecuário fica reforçada com a existência desde 1850 de uma fábrica de curtumes, fundada por Joaquim da Silva Ganança no Sítio do Lombo dos Cabos, onde se curtiam anualmente mais de cem couros.

ARTESANATO. As actividades artesanais assumem a importância adequada ao estádio de desenvolvimento de cada localidade. De acordo com informação de 1863 a freguesia estava servida de seis teares. Aí tecia-se a lã mas também o linho uma vez que são referenciadas vinte e uma gramadeiras e seis tecedeiras. A par destes tecidos note-se a importância que era atribuída aos panos de for a da terra, que surgem com certa frequência nos testamentos. Em 1766 Quitéria Ferreira de Andrade refere uma capa preta que diz ser de "nobreza" e em 1768 Maria da Silva Jardim deixa à sua sobrinha "todo o fato de vestir tanto de ir ouvir missa como de cote".

O QUOTIDIANO E O PROGRESSO
No presente século a intervenção do município foi no sentido de garantir às populações das três freguesias adequadas condições de vida. Com a aposta no investimento social: rede de abastecimento de água, electrificação e viária, ensino .

O ABASTECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL. O abastecimento de água é uma realidade de finais do século XIX. Até então o consumo fazia-se a partir das ribeiras e muitas levadas que circundavam as áreas agrícolas e tinham passagem obrigatória nos núcleos povoados.
A freguesia de Boaventura continuava ainda sem o serviço. Deste modo em 1903 reclama a canalização de água potável e a construção de marcos fontanários nos sítios do Ferreiro e Entrosa, na proximidade do adro da Igreja, a ser canalizada no Sítio da Fonte. Entretanto o Governador Civil em 1905 recomendava alguns cuidados em termos de saúde pública. A Vereação informa do seu empenho nisso, através da construção de marcos fontanários, para os quais faltam recursos financeiros, reclamando à Junta Geral um subsídio de 600$00 para dois marcos fontanários na Boaventura e Fajã do Penedo e 1000$00 à Junta Agrícola para outro no Sítio da Igreja. Este último foi construído pela Junta Geral mas não estava cumprindo bem o serviço, pois a água ficava "turva e aleitada" devido às regas, pelo que "não pode considerar-se potável e própria para o abastecimento, mas sim perigosa para a saúde pública e insalubre". A situação não deverá ser alheia a deliberação da Junta em proceder à entrega dos fontanários que lhe pertenciam.
O abastecimento de água a Boaventura não ficara solucionado e a partir da reclamação dos moradores parece que foi de pouco efeito o serviço prestado pela junta. Note-se que os moradores dos sítios da Igreja, Pastel e Serrão reclamavam da falta de água potável, sendo obrigados a abastecerem-se de águas insalubres e perigosas para a saúde ou procurá-las a grandes distâncias. A Câmara decide avançar com a referida canalização de água potável, contando que a oferta do projecto e das nascentes, cedidos por um grupo de moradores. O plano tem como objectivo a construção de fontanários nos sítios do Pastel, Igreja, Serrão, Fajã do Penedo, Terceira Lombada e Falca. Em 1931 estavam concluídos avançando-se com outros para a Falca e Fajã dos Vinháticos.
Se o abastecimento público através dos marcos fontanários pode ser considerado uma realidade do século XIX, o mesmo não sucederá com o domiciliário que data dos anos quarenta do nosso século. Até então o recurso era os fontanários, as levadas, ou a possibilidade, apenas para alguns, de aproveitamento dos sobejos das águas dos marcos fontanários. Outros, como José Maria Banhos de Castro Rodrigues do Serrão (Boaventura) providenciavam o seu próprio abastecimento caseiro.
Aos demais vicentinos não servidos pela rede pública de fontanários restava o recurso da fonte ou então a disponibilidade de uma bilha e um copo para serviço de água como dispunha a secretaria da Câmara. A rede aos poucos foi-se alargando. Em 1959 a 1ª fase de Boaventura ao mesmo empreiteiro no valor de 43.858$00. Nos anos sessenta aposta-se na remodelação da rede existente e na sua expansão, que em Boaventura contemplou a Achada do Castanheiro, Cabo da Ribeira.

A ELECTRICIDADE. Foi a 28 de Maio de 1956 que se inaugurou na freguesia de S. Vicente a primeira fase do projecto de electrificação do concelho. Não era a primeira vez que os vicentinos tomavam contacto com este benéfico usufruto. O
petróleo e a cera haviam já dado lugar em algumas casas pela invenção da electricidade.
A mais antiga referência à iluminação pública é de 1896. No ano imediato o serviço alargou-se até à Terra Chã, seguindo-se depois em 1904 às freguesias de Ponta Delgada e Boaventura. A Câmara adquiriu quinze candeeiros no valor de 50$000, sendo dez para Ponta Delgada e os restantes para Boaventura.
O benefício da energia eléctrica surgiu muito cedo na Madeira, pois datam de 1897 as primeiras experiências. Todavia, tardou muito tempo o seu alargamento a toda a ilha. Foi necessário chegarmos aos anos quarenta para que se avançasse com o plano, através da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, criada em 1943 mas que entrou em pleno exercício de funções no ano imediato.
S.Vicente foi um concelho pioneiro na utilização do serviço, pois desde muito cedo tivemos algumas iniciativas particulares. Em Vereação apenas está documentada uma iniciativa em Boaventura para fornecimento de energia eléctrica à Igreja paroquial. Sabemos da existência pelo simples facto de a estrada municipal entre S. Cristóvão e a Achada do Castanheiro ter atravessado a conduta de água. Isto obrigou a um desvio que reverteu numa quebra de rendimento na produção de energia, pelo que o pároco solicitou uma indemnização.
A partir dos anos cinquenta chegou finalmente a energia eléctrica ao concelho e lançou-se a rede pública de abastecimento. Concluídos os quatros postos de transformação avançou-se para as freguesias de Ponta Delgada e Boaventura. Na segunda a montagem da rede em Dezembro de 1959. Esta última obra adjudicada a António Francisco dos Reis foi inaugurada pelo Governador Civil com pompa e circunstância, tendo-se queimado fogo no valor de 1 530$00.

O ENSINO. A aposta na formação das populações foi tardou em chegar ao Norte da ilha. O isolamento das diversas localidades condicionou a divulgação e afirmação do ensino escolar. A par disso os meios disponíveis para a sua promoção eram escassos. As instalações e sua conservação, a mobília, o pagamento do salário dos professores e moradia eram da competência da Câmara. Nova lei fez retornar tal encargo às Câmaras. De acordo com isto os moradores de Boaventura reclamavam em 1888 uma escola de ensino elementar do sexo masculino, oferecendo a casa e mobília. Por falta de pessoa habilitada a Câmara proveu interinamente o Padre António Alves Camacho, única pessoa habilitada para tal, no que foi confirmado pela junta escolar com ordenado de 100$000 ao ano.
Em 1947 a Junta Geral assumiu a responsabilidade, propondo a Câmara a construção de novos edifícios no concelho onde se incluía a da Fajã do Penedo. Passados dez anos avançou-se com novos edifícios de que se destaca o da Falca. Nos anos sessenta a quarta fase do plano dos centenários contempla novas escolas em Boaventura: Lombo do Urzal, Igreja, Fajã Grande.
Na década de cinquenta apostou-se de novo na alfabetização de adultos, criando-se postos a partir de 16 de Março de 1953 nas escolas femininas da Fajã do Penedo, Falca e masculina da Fajã do Penedo. A situação era também alvo de reclamação
popular, o que denota a inexistência de absentismo mas sim a falta de condições político governamentais para acabar com o problema. Em 1898 face à inexistência de uma escola do sexo masculino a vereação reconhece os "clamores dos pais que desejam educar seus filhos". Para o combater existiam as escolas nocturnas de educação popular, conhecidas desde muito cedo. Sabe-se apenas que o referido curso nocturno funcionou em Boaventura, mediante o comprovativo de uma despesa feita na compra de um candeeiro de iluminação.
Foi deste forma que se iniciou o combate ao absentismo e se iniciou a longa marcha de formação cultural das populações destas recônditas paragens. Tarefa que ainda hoje se torna pertinente e necessária.
O resultado disso está na galeria de ilustrados do norte da ilha podemos salientar em Boaventura tivemos José Julião de Paulo e Vasconcelos (1766-1859), formado pela Universidade de Coimbra que escreveu um nobiliário madeirense. Dois outros evidenciaram-se no ministério sacerdotal: os padres António Alexandrino de Vasconcelos (1791-1884) e José Joaquim de Andrade (?-1854)

A PASSAGEM DO NORTE AO SUL
A orografia da vertente norte da ilha associada às difíceis condições de aproximação da costa não facilitou a circulação de homens e dos produtos arrancados à terra. Este factor condicionou de forma evidente a evolução das freguesias e concelhos deste espaço. Em 1774 um dos grandes argumentos usados pelos moradores do norte para reivindicarem o novo município era a grande dificuldade de comunicação, por terra e por mar, com Machico. Por terra traçaram-se veredas que, através do Curral das Freiras ou o Paul da Serra, estabeleciam o contacto com a vertente norte. Somente em 1914 tivemos a primeira estrada de ligação ao Funchal pela Ribeira Brava que em 1928 foi alvo de um alargamento para se ajustar à circulação de viaturas. Hoje o sistema viário em progresso tende a esbater essa distância
A ligação do Norte com o Sul tinha nas serras de Boaventura um acesso privilegiado. Mas veredas eram de difícil circulação para as mercadorias e pessoas, pelo menos assim o reclamava em 1817 Paulo Dias de Almeida: "e daqui se atravessa a ilha passando ao Curral das Freiras, cujo caminho é péssimo, por escabrosos rochedos até ao Alto das Torres …". E, por isso o recurso mais usual, até ao aparecimento da primeira viatura motorizada, foi o mar. Através dele traçou-se uma rede de comunicações entre as várias localidades. Os ditos "barcos de carreira" eram o elo de comunicação entre os diferentes portos costeiros. Esta deveria ter sido a irreversível opção dos primeiros colonos que se fixaram na costa norte. Mas até mesmo aqui as possibilidades da freguesia eram limitadas. Tal como refere Paulo Dias de Almeida (1817) " O porto desta povoação é na boca da Ribeira da Boaventura, mau porto e com muitos penedos mergulhados." Esta, conhecida como a Ribeira do Porco, é uma das duas ribeiras que sulcam a freguesia.
A situação viária da ilha pouco mudou até finais do século, pois na década de noventa Carlos Faria (Recordações da ilha da Madeira, 1945) refere que este caminho era "muito mau, mas muito interessante pla verdura e grandes árvores da encosta bastante aprumada", sendo a frequência habitual de estrangeiros. A mesma ideia surge em C.
A. Power ( Tourists guide to the island of Madeira, 1914), que não se cansa de referir o magnífico cenário que a natureza propiciava entre as Torrinhas e Boaventura. Aqui uma viagem em rede poderia custar vinte dólares, enquanto em cavalo poderia ir até trinta dólares.
Até ao actual estabelecimento da rede viária, que cada vez mais avança para o progresso no encurtar das distâncias, passou-se um sinuoso percurso na aproximação da vertente norte ao sul. O aparecimento do automóvel e a definição da rede viária são uma conquista do nosso século. Até que isso sucedesse a costa norte manteve-se como um local de perdição, quase inacessível aos mortais. Atingir estas faldas montanhosas só a pé, a cavalo ou em rede, pois o barco era e continua a ser um meio pouco eficaz. Além disso, os caminhos eram sinuosos e de grande insegurança para os visitantes e insulares. Daqui resulta o seu quase total esquecimento até que a primeira estrada em 1914 a ligou ao Funchal. Depois foi a abertura, em 25 de Junho de 1953 do túnel que liga ao Arco de S. Jorge.

O TURISMO RURAL
A descoberta das potencialidades turísticas da encosta norte não é só deste final de século, pois começou a delinear-se a partir da centúria oitocentista. Foi nesta época que o norte se abriu aos estrangeiros, que o devassaram em intermináveis passeios calcorreando veredas e levadas. O testemunho abonatório desta descoberta está materializado em algumas gravuras e textos apelativos ao deleite de novos aventureiros e descobridores desta virginal natureza.
É precisamente a partir da década de cinquenta que temos um número avultado de visitantes e testemunhos reveladores da descoberta do norte. Em 1851 Edward Harcourt (A Sketch of Madeira) diz que não podia sair da ilha sem ter este encontro com o cenário deslumbrante do norte, o que concretizou num passeio feito pelo Curral e regressando por Boaventura.
Em Boaventura louva-se a beleza agreste da paisagem, indescritível na voz do escritor e poeta. S. Peacock (A Treatise of the Climate and Meteorology of Madeira.1850) define Boaventura como um vale romântico. Para E. Wortley (A Visit to Portugal and Madeira. 1854) "é o mais belo cenário que alguma vez viu", não sendo por isso fácil de o testemunhar em palavras.
Para A. Marsh (Holiday Wanderings in Madeira, 1892) aquilo que mais desperta a sua atenção é a pobreza dos seus moradores, na sua maioria vivendo como colonos. Aquilo que mais admira o visitante é a forma de estrutura da sociedade, onde o dinheiro não circula. Aqui tudo se troca por forma directa na feira dominical no centro do povoado. É o dia de trocas, mas também de danças e cantares..
Para corresponder a tão insistente procura começou a delinear-se um serviço de apoio através das vendas. Após mais de sete horas de cavalo o viandante precisava de um sítio para repousar e comer. Em Boaventura é assinalado apenas a venda de Manuel Carvalho. Esta é já referenciada por James Yate Johnson (Madeira…,1885). Aqui alojou-se A. J. Drexel Biddle (Madeira Islands, 1900) por 9900 réis. A esta junta-se em 1896 Manuel Pereira da Silva, morador no Lombo do Urzal refere que " presta em
casa, que é a última próxima da serra, auxilio aos transeuntes que por ali passam, fornecendo-lhes comida e bebida...", por isso mesmo pede a isenção no pagamento dos impostos sobre as bebidas que vende pois, caso contrário, acabará com a venda. A Câmara sabendo da utilidade do serviço despachou de modo passível o pedido.
Hoje a realidade é outra. As vendas deram lugar às pousadas em antigas casas senhoriais. As veredas cederam espaço às estradas asfaltadas, de modo que os caminhos que comunicavam com o Funchal servem apenas os amantes da natureza.
Foi certamente esta função de apoio à circulação de naturais e visitantes que fez com que este local assumisse a importância que acabou por adquirir a partir do século XVIII. A importância da via levou à fixação de gentes desde a orla litoral até ao cimo da encosta. Em torno do circuito estabeleceram-se núcleos de povoamento e pólos de desenvolvimento agrícola que usufruíram desta situação.

BOAVENTURA OU BOA VENTURA
Boaventura, pelo que acabamos de enunciar parece ter sido terra bem aventurada para aqueles que souberam desafiar o isolamento os declives das encostas e a densidade do arvoredo. Todo o vale teve até à abertura da rede viária para os automóveis um papel fundamental na aproximação do Norte ao Sul. A presença de forasteiros nacionais e estrangeiros parece ter sido uma constante. A proximidade de Ponta Delgada envolveu o lugar nas festividades do Senhor Bom Jesus através da passagem e alegria contagiante dos romeiros. Tudo isto mudou com o lançamento da rede viária a partir da década de quarenta, o que veio a provocar o isolamento das zonas altas, que só há alguns anos se reabriram de novo.
Boaventura é na verdade terra de boa ventura….

Alberto Vieira

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