Manuel Francisco de Barros e Sousa de Mesquita de Macedo Leitão e Carvalhosa nasceu a 17 de Junho de 1791 e foi o 2º Visconde de Santarém. Figura notável de erudito que viveu com entusiasmo o fervilhar de ideias que marcaram a Europa do seu tempo dedicou a maior parte da sua vida à cultura, aos estudos históricos e à análise política e diplomática. É o exemplo do homem metódico e persistente, o espírito “positivo” que preconiza a observação atenta dos factos e documentos, a crítica, a classificação e catalogação, acreditando que nesse “grão a grão” construirá o edifício do conhecimento. Foram, seguramente, essas qualidades que lhe valeram a escolha para Guarda-mor da Torre do Tombo, e foi no exercício desse cargo que recebeu de Martin Fernandez de Navarrete (presidente da Real Academia de Madrid) um especial pedido de esclarecimento sobre dados e documentos que haveria em Portugal acerca das viagens de Américo Vespucio. O facto deve tê-lo obrigado a alguma investigação documental, apercebendo-se de como eram falsificados os dados históricos relativos às viagens marítimas europeias dos séculos XV e XVI, e foi nessa altura que lhe surgiu a ideia de elaborar um atlas histórico que compilasse os mais significativos monumentos da cartografia antiga. Dessa forma poderia esclarecer-se como evoluíra o conhecimento geográfico e qual o papel que nele tiveram os Descobrimentos Portugueses. Não conseguiu fazê-lo de imediato, porque as circunstâncias políticas do momento não lhe deram a calma e a disponibilidade que seria necessária, mas a oportunidade acabaria por vir mais tarde, numa outra circunstância em que os direitos portugueses em territórios da África Ocidental eram postos em causa por alguns deputados franceses (Estancelin e D’Avezac) que os reclamavam para a França. O Visconde de Santarém estava exilado em Paris, na sequência dos conflitos que opuseram liberais e absolutistas nos anos de 1833 e 34, mas não deixou de atender o pedido do então Ministro do Negócios Estrangeiros português (o Conde de Vila Real), elaborando em 1841 uma Memória sobre a prioridade dos descobrimentos portugueses na costa de África Ocidental, acompanhada de um atlas com reproduções de cartas europeias diversas, posteriores ao século XIV. Esta memória e o respectivo atlas serviriam para ilustrar e complementar a edição da Crónica da Conquista da Guiné, de Gomes Eanes de Zurara, que estava perdida, mas de que o Visconde encontrara uma cópia em Paris, nesse mesmo ano (nessa cópia de Paris estava a foto do “homem de chapelão” que se pensa ser um retrato do infante D. Henrique).
A ideia entusiasmara-o e, no ano seguinte, viria a publicar, a expensas do governo português, uma obra com o título Recherches sur la découverte dês pays situes sur la cote occidentale de l’Afrique, au-dela du Cap Bojador, et sur lés progrès de la science géographique, après lés navegations dês portugais, au XVe siècle;... acompanhées d’un atlas composé de mappemondes et cartes pour la plupart inédites, dressés depuis le XIe, jusq’au XVIIe siècle. As cartas destinadas ao atlas que compunha esta obra, não foram todas editadas em 1842, vindo a surgir nos anos seguintes, até 1844.
Na continuação da ideia que (provavelmente) lhe vinha desde o pedido de esclarecimento de Navarrete, a sua pesquisa continuou e em 1849 iniciaria a publicação de um Essai sur l’histoire de la cosmographie et de la cartographie pendant le moyen-age, et sur lés progrès de la géographie aprés les grandes découvertes du XVe siècle, pour servir d’introdution et d’explication a l’Atlas composé de mappemondes et de portulans, et d’autres monuments géographiques, depuis le VIe siècle de notre ère, jusq’au XVIIe. Como podemos imaginar, na elaboração dos três atlas, o Visconde de Santarém não se deve ter poupado a esforços, percorrendo as mais importantes bibliotecas e arquivos da época, reunindo um imenso manancial de informação geográfica que acabaria por não ficar terminado à data da sua morte (pelo menos não estava perfeitamente organizado). O espólio veio quase todo para Portugal, mas houve uma parte que se perdeu com as mudanças e em dois naufrágios marítimos, de forma que acabou por ficar disperso durante alguns anos, com uma classificação precária. Deveu-se a Jordão de Freitas a ordenação e indexação da maioria dos exemplares cartográficos que compuseram os diferentes atlas, e ainda de múltiplas cartas dispersas, que se destinavam a completar a obra começada em 1849 e que não chegou a ser acabada. Uma especial consideração e confiança levou a que boa parte desse espólio cartográfico viesse a ser oferecido à Biblioteca e Museu da Marinha, em 1935, pelo 3º Visconde de Santarém.
Contudo, a estas preciosíssimas cartas, vieram a acrescentar-se outras da mesma origem que integravam a biblioteca particular do Comandante Manuel Norton, que tinham sido por ele estudadas e classificadas e que o Museu adquiriu no ano de 1949. A obra magistral do Visconde de Santarém é, sem sombra de dúvidas, um dos melhores documentos para a História da Cartografia e do conhecimento geográfico humano; e o exemplar do Museu de Marinha em 4 volumes, composto pelo legado do 3º Visconde de Santarém e pela colecção do Comandante Manuel Norton, constitui uma preciosidade que só pode ser comparada ao espólio que ficou na posse da família e que os seus descendentes têm pugnado em preservar. È uma das peças do património da Marinha de que nos devemos orgulhar, não só pelo valor cultural e científico que encerra, mas também pela confiança que em nós depositou quem nos entregou um legado com esta dimensão.
Museu de Marinha
(Texto de J. Semedo de Matos, CTEN FZ)
Sem comentários:
Não são permitidos novos comentários.